Será que este pequeno país decifrou o código da política pós-soviética?

O establishment dos EUA e da Europa Ocidental sabem como interferir e influenciar as eleições no estrangeiro, é por isso que temem o que está a acontecer agora.

Há uma razão pela qual 2024 foi considerado o ano das grandes eleições. Mais de metade da população mundial será chamada às urnas, mas desta vez a situação é mais profunda do que o normal. A votação sempre foi importante, claro, mas em tempos mais calmos – ou melhor, mais ordenados – nem todas as eleições foram consideradas cruciais. Agora, pelo contrário, as eleições consequentes são rotineiras. Quase todas as competições são capazes de abalar, ou mesmo mudar, o curso dos acontecimentos. E não se trata apenas de quem ganha. Mais importante é o sentido de legitimidade e o reconhecimento pelos cidadãos de que os próprios resultados são legítimos.

Esta deveria ser uma verdade bem estabelecida e evidente. Em primeiro lugar, sempre foi assim e, em segundo lugar, existem instituições políticas para garantir isso. A era do governo apenas pela força já passou há muito tempo e mesmo os regimes abertamente autoritários têm de ter em conta os interesses e as exigências da população. E as democracias enraizadas têm de encontrar formas sofisticadas de manter a estabilidade e a continuidade face à desconfiança nos procedimentos.

Há vinte anos, uma das tendências dominantes era a “promoção da democracia”. A política da então administração neoconservadora dos EUA (George Bush e Dick Cheney) baseava-se no postulado ideológico de que a difusão da forma democrática de governo em todo o mundo era a garantia mais confiável não apenas dos interesses nacionais dos Estados Unidos. , mas também de uma ordem universal positiva. Eles sentiram que um era inseparável do outro.

A gama de ferramentas que dispunham era ampla: desde o apoio activo a certos processos sociais (as chamadas “revoluções coloridas” – que se espalharam desde o espaço pós-soviético até ao Médio Oriente e Norte de África) até à intervenção militar directa para efectuar mudanças de regime ( dos Balcãs ao Médio Oriente novamente). Quer Washington quisesse ou não, a democracia tornou-se uma ferramenta política e económica para uso externo e não interno. A noção da importância fundamental de ter as eleições reconhecidas por um árbitro externo – com direito a certificar o resultado – foi o que emergiu. E se esse árbitro não estivesse satisfeito com o resultado, autorizava-se a exigir uma revisão, mesmo pela força.

A implicação era que os problemas com a legitimidade eleitoral só eram possíveis em jovens democracias frágeis. Contudo, mesmo em democracias estáveis ​​e bem estabelecidas, as coisas nem sempre funcionam bem – mesmo que geralmente as instituições garantam a ordem.

Agora, duas décadas depois, o foco mudou para as mesmas democracias mais antigas. Muitos destes países estão a passar por mudanças que envolvem a erosão, se não a perda, de modos de vida familiares e de ideias sobre o futuro. A economia capitalista parece estar a resolver os problemas não da sociedade, mas sim os seus próprios problemas. E a tecnologia pode fazer maravilhas, mas se é em benefício ou em detrimento do homem, é cada vez menos óbvio.

Os mecanismos políticos carregam um fardo pesado. Têm de manter o sistema em funcionamento e provar a sua eficácia e legitimidade. Afinal, os partidos podem ter reflectido outrora a composição das sociedades, mas muitos já não o fazem. A confiança nas instituições está a diminuir, como acontece quase sempre em tempos de grandes mudanças. E a natureza da desconfiança é semelhante àquela que criou as condições para “revoluções coloridas” em Estados mais frágeis. Daí os medos constantes (e podem ser genuínos) de interferências e influências externas. O establishment americano e da Europa Ocidental sabe muito bem como intervir e influenciar sociedades problemáticas – agora pensam que o mesmo lhes acontecerá.

Até agora, as elites dominantes têm sido suficientemente fortes para enfrentar a situação. Por um lado, existem ainda reservas económicas consideráveis ​​que podem ser utilizadas para tapar buracos e, por outro lado, existe um uso hábil da manipulação que permite não permitir que alternativas assumam o comando. Mas esses recursos não são infinitos. Paradoxalmente, os sistemas acusados ​​de serem antidemocráticos estão provavelmente mais bem equipados para sobreviver, pelo menos a curto e médio prazo. Têm de demonstrar constantemente aos cidadãos que são capazes de resolver os seus problemas, ao passo que uma democracia tradicional acredita que a própria rotação democrática é uma solução para os problemas. Na realidade, trocar um partido no poder por outro não muda quase nada, o que apenas agrava o descontentamento.

Todos os sinais sugerem que estamos agora num período de transição e é impossível prever como será o futuro. Mas o processo promete ser longo e desigual, e muito depende de como – e de que forma – a nova realidade for abraçada. O que está a acontecer agora são tentativas de manter um status quo aceitável, apesar de todos os obstáculos.

Este artigo foi publicado pela primeira vez por Rossiyskaya Gazeta jornal, traduzido e editado pela equipe RT

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