Os artigos elaborados pela equipe do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa utilizada no Brasil.
Acesso gratuito: baixe o aplicativo PÚBLICO Brasil em Android ou iOS.
A certa altura, chega a notícia de que Donald Trump publicou nas suas redes sociais que estava furioso com a decisão de Taylor Swift de apoiar Kamala Harris à presidência dos Estados Unidos. Em outra, Jojo Todynho admite em fotos e posta seu carinho pela família fascista do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus candidatos às eleições municipais. Paralelo a isso, a notícia revela torcedores divididos entre comemorações e decepções. Mas por que suas opiniões são importantes? Ou, melhor ainda, por que abrir mão de suas próprias opiniões com tanta dependência?
Ninguém duvida do impacto dos meios tecnológicos na construção das relações sociais. Algoritmos estabelecem valores e interesses capazes de modificar comportamentos e condicionar a percepção. Criam assim formas de impor automatismos culturais, modelos discursivos e estéticos, e estabelecem um novo império do “normal”.
Ou seja, gostar deste ou daquele político, seguir e imitar esta ou aquela celebridade, mesmo quando fabricados por narrativas heróicas para manipular espaços específicos, transfere algum respeito de determinados grupos, explica o filósofo Frédéric Gros. O problema é que a tecnologia expande estes grupos, capacitando-os para além das suas bolhas, tornando-os padrões moralmente irrefutáveis.
O oposto leva aqueles que se recusam a ser confrontados com a vergonha social de uma comunidade forjada não pelo interesse cultural, mas sob a forma de um sistema de julgamento público. Esta é uma exclusão simbólica violenta, não mais sujeita a críticas ou divergências.
Contudo, quando as personalidades agem contrariamente às expectativas, a comunidade é dilacerada pelo seu próprio julgamento. E isso serve à celebridade e ao político. Na prática, cada vez mais igual. As declarações da cantora brasileira, então ícone da comunidade LGBTQIAPN+, já incluem o anúncio de sua candidatura às eleições de 2026 como “mulher negra de direita”, em suas palavras.
Celebridades instantâneas quase sempre surgem no ambiente artístico e cultural próximo às esferas e agendas identitárias de esquerda, e isso é importante que aconteça. Porém, por que motivos acabam politizados nas caricaturas da direita radical?
Segundo a antropóloga Letícia Cesarino, as novas mídias produzem efeitos políticos estruturantes na esfera pública pela forma como interagem com a experiência imediata do indivíduo com a realidade, especialmente quando a opinião individual é apoiada pelo populismo digital.
Diante desse outro momento de elaboração do conhecimento e da percepção — denominado pela socióloga Liesbet van Zoonen como I-Pistemologia —, quem são aqueles que se tornaram ídolos e referências culturais? Quais artistas foram escolhidos a partir de modelos ideológicos e comportamentais? Que certezas oferecem seus interesses e verdades?
A diferença entre Taylor Swift e Jojo Todynho é anterior aos seus princípios políticos, revela-se na potência daquilo que expressam através da sua proposta artística, portanto, antes de serem quem são perante o público. Como se pudéssemos voltar no tempo e receber o impacto de suas criações de olhos fechados.
O problema de criar celebridades instantâneas é que elas também sabem que não são insubstituíveis, num mercado cuja produção de conteúdo exige inúmeros desenvolvimentos adicionais para seu suporte midiático, explica o multiartista e ensaísta Hito Steyerl. Para ela, a economia da arte ficou imersa na economia da presença, enquanto a presença disponibiliza o artista e a celebridade sem maiores promessas de compensação.
Portanto, ao esgotarem as possibilidades do que podem oferecer, artistas e celebridades sem muito mais do que eles próprios acabam cooptados pela política como forma de permanência social. Enquanto um lado escolhe suas figuras relâmpago, o outro aproveita para deformá-las para servi-las. Chegamos à urgência de compreender que os escolhidos na cultura não são mais mero entretenimento, mas sim agentes políticos, o que torna muito arriscado que sejam qualquer um.
Leituras sugeridas:
» A vergonha é um sentimento revolucionáriopor Frédéric Gros. Ubu Editora, 2023.
» O mundo de dentro para fora: verdade e política na era digitalpor Letícia Cesarino. Ubu Editora, 2022.
» Arte Duty Free: Arte na era da guerra civil planetáriapor Hito Steyer. Editor da Caixa Preta, 2018
» Entretendo o Cidadão: quando a política e a cultura popular convergema Liesbet van Zoonen. Editora Rowman & Littlefield, 2004.