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Catarina Zuccaro, de São Paulo, raramente desiste de uma disputa, principalmente se estiver defendendo o lado mais fraco da história. Não admira que tenha sido apontada como uma das advogadas mais activas na defesa dos interesses dos imigrantes em Portugal contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA). “Aprendi a fazer ‘direito de guerrilha’, termo usado pelo advogado Eduardo Dias”, diz. Isto consiste em não se render à burocracia. Se algum obstáculo cruzar seu caminho, ela busca superá-lo, pois acredita que, no final, a justiça prevalecerá nos tribunais.

Neste momento, Catarina tem 686 processos ativos contra a AIMA. “Devemos chegar a 800 nos próximos dias”, afirma. A maioria dos casos trata de pedidos de autorização de residência em Portugal, quer através do acordo de mobilidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), quer através do Manifestação de Interesseum instrumento abolido pelo Governo em Junho passado. Este mecanismo permitia que qualquer estrangeiro entrasse em Portugal como turista e depois manifestasse interesse em viver no país.

O advogado, aliás, critica a forma como o Governo extinguiu a Manifestação de Interesse. “Tudo foi decidido durante a noite. Para o pessoas que estavam sem documentação e se beneficiariam desse instrumento, não tiveram tempo de se preparar”, destaca. O resultado é que ela é forçada a recorrer ao artigo 123.º do Lei dos Estrangeiros (23/2007)para ajudar aqueles que foram apanhados de surpresa, alegando razões humanitárias. “Deixar os imigrantes sem oportunidade de acesso à documentação cria muitos problemas. Aqueles que não conseguem regressar aos seus países de origem tendem a ficar nas ruas”, acrescenta.

Execução da sentença

Na disputa diária com a AIMA, Catarina, que é advogada há 24 anos, 17 dos quais em Portugal, garante que, no caso dos processos por si interpostos, a agência está a cumprir ordens judiciais. Muitos dos seus colegas, no entanto, queixam-se de que a AIMA não responde às ações. Para a paulistana, isso acontece porque os profissionais são pouco qualificados. “Não adianta apenas distribuir um processo administrativo, se as demais etapas, que exigem a atuação dos advogados, não forem seguidas. Vários deles deixaram-se contagiar pela febre dos processos judiciais contra a AIMA sem a preparação necessária”, destaca.

Os juízes dos Tribunais Administrativos, acrescenta Catarina, têm sido cada vez mais rigorosos na avaliação das ações contra os AIMA — estima-se que mais de 50 mil estejam em andamento. “Agora, eles exigem que seja demonstrado o cumprimento de todo o processo administrativo antes de entrar na Justiça. Não basta tentar resolver os casos por telefone e não ser atendido e dizer isso nas petições”, destaca. Diz que o processo administrativo inicia-se com o envio de correspondência registada para a AIMA, com formulário de pedido de autorização de residência preenchido, explicando que é necessário cumprir o artigo 87, número 1, da Lei 18/2022. Recomenda-se também encaminhar um e-mail.

Caso a agência não responda, após 10 dias úteis, outra carta é enviada, desta vez notificando a AIMA sob o umartigo 82 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA). “Se não houver resposta novamente, haverá argumentos para que se tome medidas judiciais e que seja aceite”, explica. E vai mais longe: “Quando a liminar é concedida pela Justiça e não há cumprimento no prazo estabelecido, peço a execução da pena. Nos casos em que trabalho, há multa de 82 euros (R$ 492) por dia, o equivalente a 10% do salário mínimo de Portugal (820 euros ou R$ 4.920)”, pontua.

Regras confusas

Para Catarina, a “lei de guerrilha” faz sentido dadas as complicações criadas pelos diferentes governos portugueses em relação à imigração. “Quando Portugal promulga uma lei para tentar corrigir algo que não funcionou, acaba por causar outros 10 problemas. Em todos os anos que exerço a advocacia, nunca vi um momento tão crítico. Certamente, se houvesse uma organização melhor, o quadro seria outro”, afirma. A imagem disso é mais do que 400 mil processos pendentes na AIMA e os custos que a agência tem que assumir para enfrentar a justiça. Para cada caso na Justiça, o órgão gasta 30 euros (R$ 180) com advogados.

Ela lembra ainda que, recentemente, a AIMA lançou um concurso para contratar advogados para cuidar de processos travados. A proposta é pagar 7,50 euros (R$ 45) por caso analisado. Cada profissional pode cuidar de no máximo 200 processos, o que resultará em 1.500 euros (R$ 9 mil) no final. “Isso mesmo, bruto, pois em cima haverá descontos de impostos”, ressalta. A perspectiva é que apenas advogados em início de carreira aceitem esse cargo. “Nada disso seria necessário se a política de imigração fosse bem estruturada”, acredita.

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