O Brasil chamou de volta seu embaixador em Israel e disse que não retiraria declarações que o governo israelense chama de “anti-semitas”, já que uma briga entre os dois países aumentou esta semana.
No domingo, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, comparou a guerra de Israel em Gaza, na qual quase 30.000 palestinos foram mortos, ao Holocausto, provocando indignação em Israel.
Israel declarou Lula persona non grata na segunda-feira, convocando o embaixador brasileiro e exigindo que Brasília se retratasse das declarações. Em troca, o Brasil convocou o embaixador israelense em Brasília para uma reprimenda na segunda-feira, ao mesmo tempo que chamou de volta seu enviado a Tel Aviv.
As tensões marcam o último capítulo de uma relação entre dois países separados por mais de 10.000 quilómetros (6.200 milhas), mas ligados por uma história que remonta à criação de Israel.
Qual tem sido a posição do Brasil em relação à guerra até agora?
O Brasil denunciou os ataques de 7 de outubro a Israel, liderados pelo grupo armado palestino Hamas, nos quais 1.139 pessoas foram mortas e mais de 200 feitas reféns.
No entanto, o país também tem falado abertamente sobre a guerra em Gaza, condenando os ataques indiscriminados de Israel a civis e a infra-estruturas cruciais. Lula disse no ano passado que a morte de milhares de crianças “é particularmente chocante”.
No Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde é membro não permanente, o Brasil apoiou todas as resoluções que apelam a um cessar-fogo em Gaza, embora os Estados Unidos tenham vetado essas medidas.
Em Novembro, depois de Israel ter finalmente permitido que um número seleccionado de estrangeiros, cidadãos com dupla nacionalidade e pacientes palestinianos saíssem de Gaza através da passagem de Rafah com o Egipto, os brasileiros inicialmente desapareceram das listas diárias, provocando especulações de que Israel estava a punir o Brasil pelas suas posturas diplomáticas. Israel negou essas sugestões.
Quando os voos de repatriação para o Brasil finalmente começaram, Lula estava na pista do aeroporto de Brasília para receber os palestinos brasileiros que desembarcavam.
Durante décadas, o Brasil apelou à criação de um Estado palestiniano nas fronteiras que existiam antes da Guerra Árabe-Israelense de 1967, na qual Israel tomou a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental.
Brasil e Israel sempre tiveram laços tensos?
Na verdade. Na verdade, o Brasil teve um papel na criação de Israel.
O Brasil era o presidente da Assembleia Geral da ONU em novembro de 1947, quando o Plano de Partição da ONU para a Palestina foi apresentado pela primeira vez ao órgão, e desempenhou um papel significativo na adoção do plano. O plano de partição recomendava a criação de um estado judeu na Palestina Obrigatória administrada pelos britânicos.
Oswaldo Aranha, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil e chefe da delegação do país na ONU, presidiu a Assembleia Geral e desempenhou um papel vital nas discussões do plano de partição. De acordo com Gerson Menandro Garcia de Freitasex-embaixador do Brasil em Israel, Aranha percebeu no dia da votação inicial que o plano não tinha apoio suficiente, então persuadiu os palestrantes a prolongarem seus discursos e esgotarem o tempo, eventualmente atrasando a votação em dois dias, momento em que , votos suficientes foram garantidos para a criação de Israel. Hoje, Tel Aviv e Beersheba têm ruas com o nome de Aranha, e Jerusalém tem uma praça pública com o nome em homenagem ao diplomata brasileiro.
O Brasil também foi um dos primeiros países a reconhecer formalmente o estado de Israel em 1949.
Mais de 100.000 judeus vivem no Brasil, tornando-o a segunda maior comunidade judaica da América Latina.
As relações entre Brasil e Israel atingiram novos patamares sob o governo do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, que proclamou o Brasil como o melhor amigo de Israel. Quando o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, visitou Bolsonaro quando este era presidente eleito em 2018, o líder israelita recebeu um prémio nacional anteriormente entregue à Rainha Isabel II e ao Presidente dos EUA, Dwight Eisenhower.
Posteriormente, Bolsonaro gerou polêmica ao sinalizar que poderia transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, após uma mudança semelhante por parte dos EUA. Em sua viagem a Israel em 2019, Bolsonaro visitou o Muro das Lamentações do Monte do Templo, o local mais sagrado do judaísmo, com Netanyahu. Fica no território ocupado por Israel em Jerusalém e também é conhecido como o complexo da Mesquita Al-Aqsa, o terceiro local mais sagrado do Islã. Durante essa viagem, Bolsonaro optou por anunciar uma missão comercial não diplomática na cidade, em vez de uma embaixada completa.
Que outras quedas ocorreram nas relações?
A crise atual não é a primeira vez que Brasil e Israel veem suas relações decair.
Em 2014, o Brasil – então sob o comando da protegida de Lula, a Presidente Dilma Roussef – criticou a violência de Israel contra os palestinos e chamou de volta o seu embaixador para conversações diplomáticas. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel respondeu descrevendo o Brasil como um “anão diplomático”, aumentando ainda mais as tensões.
Isso não foi tudo. O porta-voz zombou do Brasil pela embaraçosa goleada por 7 a 1 nas mãos – ou melhor, nos pés – da Alemanha nas semifinais da Copa do Mundo de 2014, que o Brasil sediava. O ataque de Israel a Gaza naquele ano, disse ele, foi “proporcional”. O que foi “desproporcional”, disse ele, foi a pontuação da semifinal.
O Brasil, ao lado de outros 28 países, votou a favor de uma investigação do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre alegações de violações dos direitos humanos por parte de Israel naquela ofensiva. Estima-se que 2.000 civis foram mortos naquela guerra.
Em Novembro do ano passado, Israel irritou as autoridades brasileiras quando a sua agência de inteligência estrangeira, a Mossad, disse publicamente que ajudou Brasília a desmantelar uma rede do Hezbollah que planeava ataques no país sul-americano. O Mossad relacionou os ataques planejados à guerra em curso em Gaza, sugerindo que as vidas dos judeus no Brasil estavam sob ameaça.
O Ministro da Justiça brasileiro, Flavio Dino, não negou a assistência, mas respondeu em uma aparente repreensão de que “o Brasil é um país soberano” e “nenhuma ordem de força estrangeira em torno da Polícia Federal brasileira”.