Teddy Tamgho: “Volto porque tenho que fechar meu livro com os Jogos Olímpicos”

A segunda década do século no salto triplo recebeu o nome de Teddy Tamgho. O brilhante saltador francês, que deteve o recorde mundial indoor durante uma década, de 2011 (17,92) até que seu discípulo Hugues Zango o tirou dele dez anos depois, tomou uma decisão incomum na alta competição. Cinco anos depois de se despedir, aos 34 anos decidiu voltar para tentar o que sempre lhe foi negado: participar dos Jogos Olímpicos.

Em Madrid, esta sexta-feira, entrará em competição pela primeira vez no encontro do World Indoor Tour que encerra a temporada de pista curta, como agora é chamada. Entre outros, enfrentará Jordan Díaz, o espanhol com quem partilha muitos dias de treinos sob o comando de Ivn Pedroso. Na volta, o francês concede a primeira entrevista a MARCA.

Pergunta: O que você lembra da sua infância?

Resposta: Tenho ótimas lembranças com minhas duas irmãs mais velhas. Fui feliz na minha infância e isso me ajudou a ser quem sou agora.

P: Seus pais te levaram ao altetismo ou foram quem te encontrou?

R: Comecei porque minha irmã, que é seis anos mais velha que eu, começou a fazer long e eu queria ganhar e por isso comecei. Na minha família ninguém praticava atletismo. Três anos depois foquei mais no salto triplo porque um treinador me disse que eu tinha talento e os resultados começaram a aparecer imediatamente.

P: Quão difícil é ser uma estrela aos 18 anos?

R: Eu não percebi. Eu tinha um objetivo que era bater o recorde mundial do Jonathan Edwards (18,29, ele ficou em 18,04) e aí nunca consegui analisar esse momento. Eu estava focado nesse desejo, de ganhar uma medalha mundial e outra medalha olímpica. Não importava para mim se eu era uma estrela ou algo assim.

P: Por que você está voltando?

R: Volto porque tenho que fechar o livro da melhor maneira possível e acho que a classificação para os Jogos Olímpicos pode ser uma boa forma de o fazer.

P: O que custou mais para você ao retornar?

R: Perder peso. Perdi cerca de 10 quilos. Já se passaram cinco anos desde que me aposentei e ganhei muito peso. Eu poderia comer como quisesse e beber (beber álcool) como quisesse e tal. Quando voltei a treinar percebi que meu corpo pedia por isso. Tive que fazer dieta, mas só demorei na primeira semana. Então o corpo se acostuma.

O que mais me custou voltar foi o peso. Eu perdi 10 quilos

P: Você se lembra da primeira pessoa que lhe revelou isso e do que ela lhe disse?

R: Ninguém. Um dia, embora já estivesse pensando nisso há um mês, fiz um vídeo enquanto ele treinava e coloquei nas redes. Esse foi o anúncio. As pessoas começaram a me ligar e escrever, mas eu não confessei isso a ninguém antes.

P: O que você espera de Madrid?

R: Como diz o Ivn (Pedroso), trata-se de quebrar o gelo. Nada mais. Estou muito feliz por voltar e não tenho gols nem marcas. Basta quebrar o gelo e ver o que há de bom e a parte onde você terá que trabalhar.

P: Você não esteve em nenhum jogo. Ele perdeu os de 2008 porque o vento soprou um décimo a mais, e os de 2012 (tíbia) e 2016 (fêmur) devido a fraturas separadas. Qual deles te machucou mais?

R: Em 2008. Embora seja verdade que houve vento inválido (+2,1) quando saltei 17,33, fiz a marca que me foi solicitada cerca de três semanas antes de Pequim (17,19), mas fiquei de fora porque apesar disso a Federação Internacional o prazo era 31 de julho e eu fiz no dia 29, a Federação Francesa havia fechado no dia 27. Sim, foi um momento difícil na minha carreira.

P: Você se considera um cara com azar?

R: Não. Coisas que têm que acontecer, acontecem. Eu não me importo. Aceito tanto o bom quanto o ruim. Eles vêm e pronto.

Jordan Daz é o futuro. Acho que bater o recorde mundial de Jonathan Edwards

P: O que Pedroso tem como treinador?

R: Ele tem sua experiência. Todo mundo sabe quem é Pedroso no mundo do atletismo. Ele é uma pessoa muito calma, gosta muito de analisar as coisas, quando ele fala com você você sabe que ele pensou muito sobre isso e que você pode confiar nele. Ele também me deu a oportunidade de treinar como os cubanos. Sempre fui um entusiasta da forma como eles saltam e por isso optei por isso. Porque ele poderia transmitir isso para mim.

P: A sua relação com ele – vem desde 2010 – é como se ele fosse seu irmão, certo?

R: Claro. Ele é 17 anos mais velho que eu, então a coisa do irmão é difícil. Para? Nenhum. Ele é uma pessoa da minha família, isso é verdade. Na verdade, quando me aposentei, nada aconteceu entre nós, a relação continuou a mesma. Ligamos um para o outro, compartilhamos e nada mudou.

P: Você está estrelando algo incomum no esporte mundial. Ele é treinado pelo Pedroso, campeão mundial como você, e, por sua vez, treina o Zango, campeão mundial. Como é transportado?

R: É a transmissão. O Pedroso deu-me a oportunidade de ter sucesso a nível mundial e também ajudei o Zango a fazer o mesmo.

P: Você transfere o conhecimento do Pedroso para o Zango ou tem um método próprio?

R: Eu tenho meu método. Mas não posso negar que quando treino a marca do Ivn também é perceptível. Quando você treina você tem que se alimentar de coisas boas e há muitas no programa do Pedroso na sua forma de ver o triplo.

Se Yulimar Rojas quiser saltar 16 metros, ele o fará. Ele pode fazer o que quiser. Eles deveriam mudar o nome da disciplina para o seu próprio.

P: Por que já se passaram 29 anos e o recorde de Edwards ainda é válido? Foi um adiantamento?

R: Acho que não foi assim. Acho que Jonathan foi quase perfeito. Tinha atletas mais talentosos que ele, mas o jeito que ele fazia as coisas… Nunca vi uma pessoa com habilidade para pular tão bem. Nunca. Quando encontrarmos outro atleta que seja capaz dessa forma eficaz veremos um recorde mundial.

P: Yulimar Rojas treina ao seu lado em Guadalajara, o que você acha do venezuelano?

R: Ufa. O que posso dizer? Ela é a rainha da disciplina. O salto triplo tem que mudar o nome dela para ela. Quando falamos em salto triplo feminino temos que falar da prova de Yulimar Rojas e pronto. Ela já está lá. Ela pode fazer o que quiser. Se ela quiser saltar 16 metros, ela saltará 16 metros. Ela fez 15,74 porque era isso que ela queria até agora. Gravei saltos dela onde ela saltou 15,90 quatro ou cinco vezes no mesmo treino. Ela está acima de tudo.

P: E Ana Peleteiro?

R: Ela é minha amiga antes de tudo. Uma mulher louca que sempre alcança seus objetivos. Há momentos em que ela faz coisas que você talvez não entenda. Ela é uma pessoa muito emotiva e, no final, consegue o que deseja. Ela tem algo que os outros não têm e que a faz saltar bem, forte em todos os momentos importantes.

P: Jordan Daz?

R: É o futuro da disciplina. Tem o Zango, o PIchardo, o Andy Díaz, que são os melhores saltadores, mas todos têm 30 anos ou mais e vão se aposentar em breve. Jordan é o atleta que vai seguir e com o jamaicano (Jaydon Hibbert) são eles que vão bater o recorde mundial de Edwards.

P: Qual foi o seu momento mais feliz no atletismo?

R: Quando ganhei em Moscou 2013. Não porque fosse um mundial, mas porque passei por uma fase muito complicada. Fazia 20 meses que não saltava e isso foi muito difícil para mim e para o Ivn. Quando ganhei entendi que isso era fruto de um grande trabalho.

P: Assim como Katir, você foi suspenso por perder três locais. Foi um erro da juventude, da tecnologia ou o quê?

R: No final das contas, sou responsável pela minha carreira e pela minha vida. A culpa foi minha. Mas posso dizer que naquela época, e muitos atletas podem dizer, que o aplicativo deu muitos problemas de conexão. Agora melhoraram, mas antes era difícil. E a regra também era mais dura. Você não poderia falhar em 18 meses, agora foi reduzido para 12. Agora você pode mudar de direção ou janela de tempo a qualquer momento, antes de 17 a 18 você não podia mudar nada. Mas bem, a culpa foi minha.

P: O que você acha da mudança proposta no comprimento, ampliando a área de decolagem para que não haja tanto vazio?

R: No geral, entendo o que eles querem fazer. O que está permitindo que os atletas saltem como quiserem e tenham melhores recordes. Mas se aceitarmos isso, teremos que mudar tudo. Porque vamos conhecer atletas que sempre fazem nulos e que agora não vão ter esse problema e vão chegar aos 9 metros. Mas todos sabem que se Ivn, Carl Lewis ou Mike Powell não tivessem o saibro, já teriam saltado 9 metros há muito tempo. O comprimento, se não tiver prancha pode fazer o que quiser. São muitos atletas que perderam 40 centímetros por causa dessa regra e se mudarem tudo vai mudar.

P: Como diz o meu colega Tomás Campos, fazendo um jogo de palavras, você sonha em ver o último Tamgho em Paris?

R: Sim (haha). Ele será um bom titular. É para isso que eu trabalho.



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