O sol brilha sobre a paisagem de uma cidade inundada em Porto Alegre, no Brasil.

Florianópolis, Brasil – As enchentes no sul do Brasil atingiram perto dos telhados, transformando estradas em rios e engolindo cidades inteiras. Mais do que 2,3 milhões as pessoas sentiram os efeitos da subida das águas. Um total de 161 pessoas foram confirmadas mortocom mais corpos esperados para serem encontrados.

As autoridades ligaram para o chuvas torrenciais e inundações no estado brasileiro do Rio Grande do Sul “o pior desastre climático”A área já viu.

Mas eles disseram a tragédia está sendo amplificado por outro fenômeno: desinformaçãointencionalmente concebido para enganar.

Alguns artigos, vídeos e postagens afirmavam que o governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva bloqueou o envio de ajuda e medicamentos para a região. Outros disseram que Lula retardou deliberadamente a chegada dos suprimentos para poder apresentá-los pessoalmente.

Outros ainda afirmaram que as equipes de resgate do governo estavam saindo do sul do Brasil, deixando os moradores à própria sorte.

Todas as três afirmações são falsas. Mas especialistas em meios de comunicação social e ciência política disseram à Al Jazeera que a desinformação continuou a espalhar-se, muitas vezes com ramificações no mundo real.

“Estou muito preocupado com isso”, disse Rogério Christofoletti, professor de mídia que estuda ética e transparência na Universidade Federal de Santa Catarina, ao norte do Rio Grande do Sul.

“O volume de notícias falsas é muito grande e pode fomentar um clima de desconfiança.”

Chuvas torrenciais inundaram cidades como Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (Cortesia de Billy Valdez/Coletivo Catarse)

Impedindo os esforços de recuperação

Algumas das notícias falsas, por exemplo, lançaram dúvidas sobre os alertas governamentais sobre cheias, destinados a fornecer aos cidadãos informações vitais sobre circunstâncias que ameaçam a vida.

Christofoletti acrescentou que a desinformação pode até ter desencorajado alguns voluntários e doações, já que os moradores do Rio Grande do Sul continuam sofrendo.

Os voluntários foram cruciais no início esforços de resgate. Cidadãos preocupados chegaram em barcos e jet skis de bairros e cidades próximas para retirar moradores retidos dos telhados e transportá-los para um local seguro.

Mas mensagens falsas alertavam que funcionários do governo estavam a impedir os voluntários de utilizarem os seus próprios barcos nos esforços de resgate.

Outras peças de desinformação tiveram consequências mesmo em áreas distantes das inundações. As prateleiras dos supermercados foram esvaziadas de arroz, à medida que rumores circulam online.

Postagens falsas nas redes sociais alertavam que, como o Rio Grande do Sul produz 70% do arroz do Brasil, o país estava ficando sem alimentos básicos.

Mas os produtores de arroz da região consideraram tais preocupações exageradas, dizendo aos meios de comunicação locais que mais de 84 por cento da colheita da época já tinha sido colhida quando as chuvas começaram.

No entanto, o governo federal respondeu às preocupações anunciando que iria importar um milhão de toneladas de arroz. Também suspendeu as tarifas sobre as importações de arroz na terça-feira.

Voluntários e evacuados viajam em um pequeno barco inflável a motor, enquanto se aproximam de mais ajudantes que enfrentam as enchentes em Porto Alegre, Brasil.
Voluntários guiam barco com refugiados em Porto Alegre, Brasil, em meio a enchentes generalizadas em 16 de maio (Adriano Machado/Reuters)

Visando o governo

Os investigadores que falaram com a Al Jazeera explicaram que grande parte da desinformação partilha um tema comum: minar o governo.

Muitas vezes surgem informações falsas após um desastre, à medida que as pessoas lutam para reagir às circunstâncias em desenvolvimento – e por vezes perigosas.

E, no entanto, nem toda a desinformação é propositadamente enganosa. Mesmo assim, uma pesquisa divulgada na semana passada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul descobriu que a maior parte das informações falsas foi espalhada por “influenciadores, sites e políticos de extrema direita”.

Isso coloca-o numa categoria separada: desinformação ou disseminação intencional de materiais imprecisos.

Os investigadores do estudo concluíram que os maus atores “usaram a comoção para se autopromoverem e espalharem desinformação, com o objetivo de atacar e desacreditar o governo”.

“Eles querem desviar a atenção das pessoas”, disse Christofoletti. “É um momento perfeito para estes oportunistas que querem atacar o Estado, atacar outros grupos políticos e tirar vantagem da situação.”

Um dos principais alvos da desinformação é Lula, um proeminente líder de esquerda na América Latina que está actualmente a servir o seu Terceiro termo como presidente.

“O que estamos realmente falando é de uma campanha de desinformação coordenada e de força industrial, projetada para deslegitimar o governo e suas ações para fornecer ajuda às vítimas das enchentes”, disse Brian Mier, editor da BrasilWire que está cobrindo a recuperação no Rio Grande do Sul. Sul.

“E, em muitos casos, está na verdade sabotando alguns dos esforços de socorro.”

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva olha pela janela de um helicóptero para a enchente abaixo.
O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, examina as águas da enchente sobre Porto Alegre, Brasil, em 5 de maio (Ricardo Stuckert/Presidência Brasileira, folheto da Reuters)

Lula na mira

Lula já visitou o Rio Grande do Sul três vezes desde o início das enchentes, em 29 de abril.

Na primeira semana das chuvas torrenciais, o seu governo informou ter enviado 14.500 funcionários federais para ajudar nos esforços de socorro, incluindo profissionais militares e médicos.

A administração Lula também prometeu US$ 10 bilhões para ajudar a resolver os danos. Outro bilhão deverá vir de um banco de desenvolvimento fundado por BRICSuma aliança comercial internacional da qual o Brasil é membro fundador.

“Vamos construir uma nova casa para todos que perderam uma”, anunciou Lula em um abrigo na cidade de São Leopoldo, assolada pelas enchentes, na semana passada.

Mas as publicações minimizaram a escala dos esforços de resgate do governo ou aumentaram as tensões com os residentes locais.

Algumas das informações falsas que circularam, por exemplo, alegavam que o Brasil enviou poucos helicópteros ao Rio Grande do Sul e recusou assistência do vizinho Uruguai.

Paulo Pimenta, ministro que lidera os esforços de reconstrução no Rio Grande do Sul, também disse que um vídeo que circulava online parecia mostrá-lo sendo atacado em um abrigo para desastres.

Em artigo para o meio de comunicação Brasil247, Pimenta disse que a disseminação dessas informações falsas tem consumido tempo e recursos de outras necessidades.

“Passo horas do meu dia desmascarando alguma nova história inventada para deslegitimar as ações de cerca de 20 mil funcionários públicos, tanto civis quanto militares, que já resgataram mais de 60 mil pessoas e 6 mil animais”, escreveu Pimenta.

Ele alertou que, embora o governo Lula não censure os cargos, quaisquer “mentiras” que “atrapalhem o trabalho de resgate, restauração e reconstrução” poderão ser punidas.

Um navio militar está parado nas águas lamacentas da enchente no sul do Brasil, com embarcações menores entrando e saindo dele.
Um navio da Marinha brasileira entrega doações no Lago Guaíba, em Porto Alegre, Brasil, em 16 de maio (Diego Vara/Reuters)

Raízes da desinformação no Brasil

Notícias falsasno entanto, não é um fenômeno novo.

“Isso sempre existiu no Brasil”, disse João Feres Junior, cientista político da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

“A única coisa é que a Internet tornou tudo mais fácil e rápido e, ao mesmo tempo, a extrema direita adotou-a como seu modus operandi de comunicação.”

Muitos especialistas apontaram para o eleição presidencial de 2018 como um ponto de viragem, marcando uma subida íngreme na desinformação.

Durante as eleições, apoiantes do candidato de extrema-direita JairBolsonaro inundou plataformas populares de mídia social como o WhatsApp com teorias de conspiraçãoajudando a erguer o ex-militar para vitória.

Os críticos dizem que Bolsonaro continuou a promover a desinformação durante sua presidência. Eles o acusam de estabelecer um “gabinete de ódio” dentro do governo que usou as redes sociais para difamar rivais políticos e semear desconfiança no sistema eleitoral.

Em 2019, o Suprema Corte lançou uma investigação sobre a campanha de desinformação. No ano seguinte, a Polícia Federal realizou batidas em residências e empresas de 17 aliados de Bolsonaro, suspeitos de disseminar notícias falsas.

Entre eles estavam o empresário Luciano Hang e os blogueiros de extrema direita Allan dos Santos e Winston Lima. Oito parlamentares aliados de Bolsonaro também foram convocados para prestar depoimento.

Além disso, o deputado Daniel Silveira e a influenciadora de extrema direita Sara Winter foram presos por fazerem ameaças online contra o Supremo Tribunal Federal durante a investigação.

Como parte de um acordo judicial em 2023, o Tenente Coronel Mauro Cidex-aliado de Bolsonaro, testemunhou que Carlos, filho do ex-presidente, comandava o “gabinete do ódio”.

Um parque municipal de Porto Alegre fica submerso após enchentes em abril e maio.
Um parque municipal em Porto Alegre, Brasil, está submerso devido às chuvas recentes (Cortesia de Billy Valdez/Coletivo Catarse)

Olhando para a época eleitoral

Ainda assim, os especialistas dizem que o volume de notícias falsas em torno das enchentes deste mês não é visto desde a eleição de Bolsonaro em 2018.

A cientista política Luciana Santana disse que a atual campanha de desinformação é “em grande parte resultado da polarização política no país”.

“É perverso, mas é uma estratégia utilizada pela oposição para deslegitimar ações que na minha opinião são positivas e necessárias para a proteção da população neste momento”, disse ela à Al Jazeera.

“Goste ou não, isso está prejudicando a população e o processo de reconstrução do estado.”

Mas Santana disse que não foi apenas a escala das inundações e a resposta pública que chamou a atenção dos trolls da Internet de extrema direita. É também a perspectiva de prejudicar os rivais políticos nas urnas.

Em outubro deste ano, o Brasil deverá realizar eleições municipais. Depois, em 2026, o país voltará às urnas para votar em vagas no Congresso e na presidência.

Mier, editor da BrasilWire, acredita que os vendedores de desinformação esperam tirar votos de Lula e de seus aliados nas próximas eleições, deturpando os esforços de seu governo para enfrentar as enchentes.

“A extrema direita está realmente preocupada porque o governo federal está chegando com muito dinheiro e muitas tropas militares”, disse ele sobre as enchentes. “Eles estão ficando preocupados com a forma como isso afetará as eleições. E então eles estão tentando apresentar essas contra-narrativas.”

O jornalista local Gustavo Turck mora a poucos quarteirões de onde as enchentes atingiram a cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul.

Ele disse à Al Jazeera que a desinformação é altamente “organizada”, visando uma população vulnerável com “metodologia precisa” e dividindo os residentes em linhas partidárias.

“É como uma rivalidade no futebol. E muitas pessoas estão sendo influenciadas por essas mentiras”, disse Turck.

“Esta é a luta política que estamos vendo. E, infelizmente, está nas costas do povo, da população e da cidade que foi destruída.”

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