53 anos depois, gritos de 'ditador Razakar' retornam à política de Bangladesh

Os protestos, que começaram no final do mês passado, atingiram um ponto de ebulição no início desta semana.

Nova Delhi:

A violência no Bangladesh deixou mais de 130 mortos, enquanto os estudantes exigem reformas num sistema de quotas que rege a atribuição de cargos públicos no país. Os protestos intensificaram-se após os comentários polêmicos da primeira-ministra Sheikh Hasina, onde ela rotulou os manifestantes como “Razakars”. Este termo, historicamente carregado e com uma conotação negativa, remonta à força voluntária do Paquistão Oriental que se opôs à criação do Bangladesh como nação soberana durante a Guerra da Independência de 1971.

A faísca

Os protestos, que começaram no final do mês passado, atingiram um ponto de ebulição no início desta semana, quando activistas estudantis da Universidade de Dhaka, a maior universidade do país, se envolveram em confrontos violentos com a polícia e contra-manifestantes alinhados com a Liga Awami, no poder.

O controverso sistema de quotas reserva até 30% dos empregos públicos para familiares de veteranos que lutaram na guerra de independência do Bangladesh contra o Paquistão, em 1971. Os manifestantes argumentam que este sistema é discriminatório e beneficia desproporcionalmente os apoiantes do partido Liga Awami do primeiro-ministro Hasina. Defendem um sistema baseado no mérito para substituir a quota existente. Os comentários inflamados do primeiro-ministro Hasina numa reunião pública desencadearam novos protestos.

“Se não forem os netos dos lutadores pela liberdade, quem receberá os benefícios das cotas? Os netos dos ‘Razakars’?” perguntou o primeiro-ministro de Bangladesh. “Esta é a minha pergunta. Quero perguntar ao povo da nação. Se os manifestantes não obedecerem, não posso fazer nada. Eles podem continuar o seu protesto. Se os manifestantes danificarem propriedades ou atacarem polícias, a lei seguirá o seu curso. Não podemos ajudar.”

A intenção do PM Hasina era destacar a importância de preservar os benefícios para os descendentes daqueles que lutaram pela independência do Bangladesh. No entanto, o termo “Razakar” atingiu um ponto sensível. É um termo que evoca memórias da violência generalizada da Guerra da Independência de 1971, durante a qual os “Razakars” colaboraram com o exército paquistanês contra o movimento nacionalista bengali.

Contexto histórico do termo “Razakar”

Os “Razakars” eram uma força paramilitar recrutada pelo exército paquistanês durante a Guerra de Libertação de Bangladesh em 1971. Compostos principalmente por bengalis pró-paquistaneses e biharis de língua urdu, os “Razakars” estiveram envolvidos em inúmeras atrocidades, incluindo assassinatos em massa, estupros e tortura. A guerra de 1971 viu um sofrimento imenso, com estimativas de mortes de civis variando entre 300 mil e 3 milhões. As cicatrizes destes acontecimentos ainda são evidentes na psique nacional.

Em 2010, o governo do Primeiro-Ministro Hasina criou o Tribunal Internacional de Crimes para processar os acusados ​​de crimes de guerra durante o conflito de 1971. Esta medida fez parte da sua estratégia para resolver injustiças históricas e foi amplamente vista como um cumprimento das promessas eleitorais do seu partido. Desde então, o tribunal condenou vários indivíduos, predominantemente do agora banido partido Jamaat-e-Islami.

Em dezembro de 2019, o governo publicou uma lista de 10.789 indivíduos identificados como “Razakars”, marcando o primeiro reconhecimento oficial destes colaboradores. Esta lista incluía figuras proeminentes e pretendia garantir que as gerações futuras compreendessem o contexto histórico das suas ações.

O Contencioso Sistema de Cotas

Os actuais protestos estão enraizados no sistema de quotas para empregos públicos, que atribui porções significativas a descendentes de combatentes pela liberdade. Este sistema, estabelecido em 1972 e abolido brevemente em 2018 antes de ser reinstaurado, tem sido uma fonte de discórdia. Os críticos argumentam que isso beneficia desproporcionalmente os apoiadores da Liga Awami e limita as oportunidades para outros candidatos qualificados.

“Eles estão protestando contra a natureza repressiva do Estado”, disse Mubashar Hasan, especialista em Bangladesh da Universidade de Oslo, na Noruega, citado pela agência de notícias AFP. “Os manifestantes questionam a liderança de Hasina, acusando-a de se agarrar ao poder pela força. Os estudantes estão, na verdade, chamando-a de ditadora”.

Os protestos estudantis contra o sistema de cotas têm uma história em Bangladesh. A última onda começou após a decisão de restabelecer o sistema, seguida pela suspensão da ordem pelo Supremo Tribunal enquanto se aguarda um recurso do governo. Este limbo jurídico deixou muitos estudantes frustrados, sentindo que as suas exigências de um sistema baseado no mérito estão a ser ignoradas.

As queixas dos estudantes vão além do sistema de cotas. O elevado desemprego juvenil e uma economia estagnada contribuíram para um sentimento de frustração e desespero. Os empregos no sector público, com os seus salários e benefícios regulares, são altamente cobiçados num país onde as oportunidades económicas são limitadas.

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