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Silvio Santos, dono e apresentador do SBT, morreu neste sábado, aos 93 anos. Também empresário, ele estava internado na UTI do hospital Albert Einsteinem São Paulo. Ainda não há informações sobre a causa da morte, velório e sepultamento.

“Hoje o céu está feliz com a chegada do nosso querido Silvio Santos. Ele viveu 93 anos para levar felicidade e amor a todos os brasileiros. A família agradece muito ao Brasil pelos mais de 65 anos de convivência com muita alegria”, disse o SBT em nota publicada nas redes sociais.

“Para nós o Senor Abravanel é ainda mais especial e estamos muito felizes pelo presente que Deus nos deu e por todos os momentos maravilhosos que passamos juntos. paz, que Tu sejas sempre eterno em nossos corações.”

Orgulhoso de sua intuição, Silvio Santos construiu uma das carreiras mais bem-sucedidas e ao mesmo tempo inusitadas da história da televisão brasileira. Sem ligação com políticos ou vínculos com qualquer grupo empresarial, ele afirmou ser o único proprietário de TV que Eu gostei muito da televisão.

Apresentado Sílvio Santos em 1959, ainda como apresentador de rádio. Ele tinha acabado de adquirir o Baú da Felicidade
Revista Rádio/Memória

Fato raro na indústria do entretenimento, ele foi apresentador e dono de sua emissora de televisão por quase cinco décadas. Dono de uma fortuna avaliada em cerca de seis mil milhões de reais (mil milhões de euros), tornou-se sócio maioritário de mais de 30 empresas, mas disse nem saber a morada de algumas delas.

Mais do que um pseudônimo do Senor Abravanel — nome verdadeiro do apresentador, filho de imigrantes judeus de origem turca e grega —, Silvio Santos deu vida a um personagem com mitologia própria, carinhosamente lapidada ao longo de décadas.

Lendas e histórias reais são tão confusas que se torna temeroso fazer afirmações categóricas de natureza biográfica. Vejamos, por exemplo, o caso de Jassa, cabeleireira que a apresentadora frequenta regularmente desde a década de 1970 para evitar cabelos grisalhos.

Em muitas reportagens, Jassa é citada como a “melhor amiga” de Silvio, tendo inclusive influenciado decisões artísticas e empresariais do cliente, como a contratação de Raul Gil, em 2010, entre outros feitos lendários que o tempo transformou em verdades.

Idade em segredo

Quando a primeira esposa de Silvio, Cidinha, morreu em 1977, a maioria dos fãs nem sabia que ele era casado e tinha duas filhas. Hábil no trato com jornalistas, o apresentador conseguiu manter em segredo sua verdadeira idade até meados da década de 1980, subtraindo sempre cinco anos ou mais.

Ao entrevistá-lo para Olhar Em 1985, o jornalista Mario Sergio Conti, colunista do Folhateve o cuidado de anotar: “Silvio Santos, que afirma ter 49 anos”. Ele tinha 54 anos. Em 1987, pela primeira vez, aparecem menções à data de nascimento que parece ser a real, 12 de dezembro de 1930.

A própria história de como Silvio deu os primeiros passos na vida é tema das mais variadas versões, contadas por ele mesmo. Ele era vendedor ambulante aos 14 anosvendendo capas e canetas para cartões de eleitor, mas nunca ficou claro se ele fez isso por exigências familiares ou por um desejo inicial de independência.

Sílvio Santos, na década de 1970, como o ator e cantor Tony Tornado, em seu programa de televisão aos domingos
Arquivos Nacionais

Também parece folclórica a história que ele sempre contava sobre o fiscal da prefeitura que, em vez de reprimir o vendedor ambulante, se encantou com sua voz e o levou — ou o recomendou — para um teste de rádio, onde tudo começou.

Não menos repleta de versões é a história de como, em São Paulo, em meados da década de 1950, adquiriu o Baú da Felicidade, negócio que então estava em péssimas condições e que, com sua dedicação, se tornaria um sucesso extraordinário.

O fato é que sua carreira sempre destaca as conquistas de um cara com um enorme talento para o comércio e um talento gigantesco para a comunicação. Combinando os dois predicados, passou a vender seus produtos na televisão. E ele nunca pretendeu ser outra coisa senão isso – um comerciante de TV.

Rei dos domingos

Primeiro, comprou uma vaga na TV Paulista, emissora posteriormente adquirida pela Globo. Ocupava os domingos, dia desprezado pelas emissoras na década de 1960.

Quando Walter Clark e José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, conhecido como Boni, começaram a implantar o famoso “padrão de qualidade Globo”, no início da década de 1970, encontraram Silvio consagrado na programação dominical, com autoridade total, inclusive sobre a comercialização de publicidade. Tentaram tirá-lo, mas Roberto Marinho renovou contrato.

O empresário só deixou a Globo quando conseguiu a primeira de uma série de concessões para dirigir sua própria emissora. O canal 11, TVS, do Rio de Janeiro, foi dado pelo general Ernesto Geisel, em 1975. O Filet mignon, a licença para operar o canal 4, de São Paulo, e mais quatro canais, foi dada pelo general João Baptista Figueiredo, em 1981.

A partir de muita articulação política e bajulação, jamais negadas por Silvio Santos, nasceu o SBT. Uma pintura infame, de claro caráter publicitário, marcou época neste período. Foi chamado Semana do Presidente.

Prova de que sempre foi empresário e não comunicador é o descaso com que tratou o jornalismo do SBT. Repetidamente, ele explicou: “Já dei ordens aos jornalistas da minha empresa para nunca criticarem e apenas elogiarem o governo”. Em 2016, escolheu um rapaz de 18 anos, Dudu Camargo, para apresentar um telejornal.

Amigo dos presidentes

Lisonjeou todos os presidentes, de Emílio Garrastazu Médici a Jair Bolsonaro, mantendo sua televisão em modo de indiferença política. Mas nunca, como nos anos Bolsonaro, ele demonstrou tanto entusiasmo por um governante. Chegou a dizer que sonhava com oito anos de governo de Bolsonaro seguidos de oito anos de governo de Sergio Moro. Seu genro, deputado Fábio Faria, foi ministro das Comunicações de Bolsonaro.

Silvio Santos com o então presidente da República do Brasil, João Figueiredo, e a filha do apresentador, Sílvia Abravanel, na década de 1980
Arquivo/ Sílvia Abravanel

De forma errática, sempre seguindo a intuição, disse ele, levou o SBT ao posto de segundo maior canal de TV do Brasil. Inicialmente, focou em uma programação muito popular, o que aumentou a audiência, mas afastou os anunciantes. Diminuiu o volume, mas sempre focou no que era mais popular — talk shows, novelas mexicanas, “Chaves”, filmes e desenhos da Disney.

Em alguns momentos, investiu em uma programação de qualidade, principalmente no jornalismo, mas ironizou os resultados alcançados em termos de audiência.

Silvio mudou tanto a programação da emissora que a sigla SBT passou a ser conhecida internamente como “Silvio Brincando de Televisão”. O programa de Serginho Groisman no SBT, por exemplo, mudou de horário mais de 20 vezes, atrações foram canceladas no dia seguinte à estreia, funcionários foram demitidos e recontratados de acordo com o humor do dia.

Em 2007, Silvio pagou o preço de anos de administração caótica. A Record, adquirida por Edir Macedo do próprio empresário em 1990, desbancou o SBT do segundo lugar.

Em um segmento – a política partidária – a intuição de Silvio não funcionou. Ele tentou disputar quatro eleições. Num episódio vexatório, aceitou ser candidato a Presidente da República, em 1989, 15 dias antes da eleição, por um determinado Partido Municipalista Brasileiro. A candidatura foi contestada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O talento do empresário à frente do negócio foi questionado em meados de 2010, quando se soube que o Banco PanAmericano havia falido por suspeita de gestão fraudulenta. Negociador habilidoso, saiu da história sem o banco, mas com os seus activos intactos.

“Palladino? Que Palladino? Nunca fui ao banco. Nem sei onde fica o prédio”, disse ele na época. Rafael Palladino, principal executivo do banco, era primo de sua esposa, Íris.

Futuro do SBT

Pai de seis filhas – as outras quatro do segundo casamento – Silvio nunca teve herdeiro na televisão. Houve alguns candidatos, como Gugu Liberato e Celso Portiolli, mas nenhum foi ungido pelo patrão.

Ele ameaçou se aposentar diversas vezes desde a década de 1970, mas só deixou os palcos no final da vida. disse à revista Com vocêuma vez, que ele teve uma doença fatal. Mas a notícia, que apareceu na capa da publicação, era falsa.

Na década de 2020, viveu o constrangimento de ser cancelado pelos fãs, que não toleravam mais seu jeito temerário de tratar as mulheres e as minorias sociais com piadas preconceituosas e de gosto duvidoso.

Devido à pandemia do coronavírus, ele permaneceu confinado em casa de março de 2020 a julho de 2021. Nesse período, o SBT pareceu sofrer mais que seus concorrentes com a queda no faturamento. Perto da comemoração dos 40 anos de sua emissora, o vacinado Silvio se sentiu motivado a voltar a gravar. Ele contraiu Covid-19.

Sílvio Santos com a esposa, Iris Abravanel, em 2019, durante cerimônia de comemoração do Sete de Setembro, em Brasília
Alan Santos/Palácio do Planalto

Num sinal do quão complicada é sua substituição, ao deixar de apresentar seu programa, em 2023, a atração passou a se chamar Programa Silvio Santos com Patrícia Abravanel. E continuou assessorando na administração da rede, liderada por outra filha, Daniela Beyruti.

É difícil imaginar um SBT sem Silvio Santos — e isso se deve, em grande parte, à sua disposição ou, se preferir, à culpa. Silvio foi o rosto da empresa que construiu, cuja continuidade depende da capacidade da sua família em reinventá-la sem alterar o seu ADN.

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