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O famoso grito de guerra que ecoa na Marquês de Sapucaí há mais de 40 anos — “Olha a Beija-Flor, gente, grite cavaco” — também se prepara para ecoar do outro lado do Atlântico, mais precisamente no Porto, em o Norte de Portugal. Neguinho da Beija-Flor, um dos maiores samba-enredos da história do carnaval brasileiro, se propõe a criar uma irmã em terras portuguesas, mas com puro DNA carioca.

Em entrevista ao PÚBLICO Brasil, o sambista fala dos seus planos de criar um centro carnavalesco no Porto, para onde se mudou com a família este ano. Neguinho detalha os motivos que o levaram a escolher Portugal como sua nova casa, fala da ligação especial que sente com o Porto e explica como pretende continuar a divulgar e celebrar a cultura brasileira em terras portuguesas.

O artista também revela seus planos de abrir o Botequim do Neguinho da Beija-Flor na cidade portuguesa, espaço dedicado ao samba e à cultura carioca. E destaca o desejo de contribuir para o crescimento e o intercâmbio cultural entre o Brasil e o país europeu. “Quero criar um ponto de encontro para os amantes do samba em Portugal”, afirma.

Com sua inconfundível alegria e paixão pelo samba, Neguinho também aborda sua visão para o futuro do samba. carnaval no Brasilas inovações trazidas pelo novo presidente da Liga das Escolas de Samba (Liesa), Gabriel David, e as mudanças no andamento do samba. E destaca a importância de dar voz e espaço às sambistas em seus projetos. “No Botequim do Neguinho todos terão voz”, garante.

O que levou um ícone da cultura brasileira a se mudar para Portugal?
Portugal é um país que sempre me atraiu. Além de muito bonito e acolhedor, ele tem uma forte ligação com a nossa cultura. Elaine Reis, minha esposa, é neta de pais portugueses e está esclarecendo sua nacionalidade. Portugal acolhe muito bem as pessoas e a língua portuguesa, que é a nossa língua, facilita muito a adaptação. Além disso, Elaine sempre teve o sonho de se reconectar com suas raízes. Então, quando surgiu a oportunidade, decidimos mudar. A cultura portuguesa tem muitos pontos em comum com a cultura brasileira, o que torna tudo mais familiar.

E porquê o Porto e não Lisboa?
O Porto, para mim, tem uma ligação maior com o Rio de Janeiro. A cidade é mais acolhedora, mais aberta e lembra muito o clima carioca. Lisboa é uma cidade maravilhosa, mas é mais parecida com São Paulo, que é mais movimentada. O Porto tem essa coisa mais calma, mais próxima do espírito carioca, o que faz com que seja adaptação mais fácil. Sempre gostei dessa sensação de estar perto do mar, com aquele ar de cidade pequena, mesmo sendo uma cidade grande.

O verão carioca vai te perder? O carnaval vai te perder? Qual é o seu planejamento?
Não vou abandonar o Brasil, claro. O carnaval é parte fundamental da minha vida e da minha carreira. Continuarei participando de ensaios e desfiles, não tenho como deixar isso de lado. A Elaine e a nossa filha vão ficar em Portugal, principalmente porque a nossa filha vai fazer faculdade. Eu vou e volto. Vou atrás do sol, literalmente. Quero aproveitar o melhor dos dois mundos.

O que sua filha vai estudar?
Ela quer estudar medicina, com foco em estética. Portugal tem ótimas faculdades nesta área e pensamos que seria uma boa oportunidade para ela. Elaine também está se estabelecendo no campo, então faz sentido para toda a família. Estamos todos muito entusiasmados com esta nova fase.

A cultura portuguesa é a base da cultura brasileira, mas não é a mesma. Os portugueses consomem muita música brasileira. Como pretende trabalhar isso em Portugal? Você vai fazer shows? Qual é o seu plano?
Portugal tem um enorme mercado para a música brasileira. A Europa, em geral, gosta muito do samba e do nosso estilo musical. Estou trabalhando com meu companheiro, Garcia, um brasileiro que mora no Porto. Procuramos local para abrir o Botequim do Neguinho da Beija-Flor. A ideia é ter um espaço dedicado à cultura carioca, com muito samba, principalmente samba de carnaval.

Você vai trazer o Rio de Janeiro para o Porto?
Exatamente, essa é a ideia. Criar um espaço onde possamos celebrar a cultura carioca, o samba tradicional, o samba de carnaval. Quero trazer artistas de escolas de samba, dançarinos, ritmistas e investir muito na cultura carioca aqui. Procuramos um local adequado e pretendemos abrir ainda este ano, se tudo correr bem. Quero criar um ponto de encontro para os amantes do samba em Portugal.

Portugal também tem carnaval, como os desfiles de Sesimbra. Você pretende participar desses eventos?
Claro que sim. Reparei que o carnaval de Sesimbra é parecido com o nosso, claro que com algumas diferenças. Mas eles têm desfile de escolas de samba, o que é bastante interessante. Minha ideia é trazer um pouco do nosso conhecimento para cá, ajudar no treinamento de mão de obra, tambores, cabos, adereços. Quero contribuir para que o carnaval aqui cresça ainda mais e para que possamos ter esse intercâmbio cultural entre Brasil e Portugal.

Então, você está planejando abrir um negócio em Portugal, começando pelo Botequim do Neguinho?
Sim. O Botequim do Neguinho será o ponto de partida. Depois, a ideia é fundar a escola de samba Beija-Flor do Porto. Quero criar um espaço onde possamos celebrar a cultura carioca, o samba, e oferecer um pouco da nossa tradição aos portugueses.

Falando em carnaval no Brasil, como você vê a nova fase com Gabriel David à frente da Liga das Escolas de Samba (Liesa)?
Gabriel David trouxe muitas novidades para o carnaval. A ideia de mais um dia de desfile (agora serão três) e mais tempo para cada escola é excelente. Concordo plenamente com essas mudanças. Na minha opinião, o maior espetáculo audiovisual do planeta merece ser ainda maior. Se dependesse de mim, aumentaria o número de escolas e daria mais espaço a cada uma. A tradição do carnaval não pode ser esquecida, mas também precisamos nos adaptar aos novos tempos.

E o andamento dos sambas? Não é muito rápido? Como você vê isso?
Na verdade, o samba acelerou muito nos últimos anos. Isso é consequência do tempo reduzido do desfile. Antes desfilávamos durante três, quatro horas. Hoje, o tempo é de apenas 1 hora e 20 minutos. Com as mudanças, acredito que podemos desacelerar um pouco e voltar a um ritmo mais calmo, que permita ao público e aos sambistas aproveitar mais. O samba tem a ver com ritmo, mas também com celebração e alegria.

A Beija-Flor busca uma nova identidade desde o enredo “Monstro”. O que você espera para o futuro da escola?
A Beija-Flor sempre foi uma grande escola e queremos manter essa tradição. Com o enredo de Laíla esperamos resgatar a comunidade, trazer mais negritude ao desfile. Queremos voltar a ser uma escola temida, com desfiles impactantes e emocionantes. A tradição é fundamental, mas também queremos inovar e surpreender. O futuro da Beija-Flor é continuar sendo uma potência no Carnaval, sempre em busca de novas formas de encantar o público.

Pretende trazer sambistas para o seu projeto em Portugal? As mulheres muitas vezes não são tão proeminentes quanto os homens.
Claro que sim. Minha proposta é incluir todos os talentos do samba, independente de gênero. Quero trazer sambistas como a Karina, que foi revelada na Imperatriz Leopoldinense, entre outras. As mulheres têm um papel fundamental no samba e quero garantir que elas tenham o espaço e o reconhecimento que merecem. No Botequim do Neguinho todos terão voz e vez. Estamos muito entusiasmados com esta nova fase e espero que todos possam aproveitar tanto quanto nós.

Os artigos da equipe do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa utilizada no Brasil

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