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O mundo tem testemunhado um aumento alarmante na incidência de doenças metabólicas, especialmente diabetes tipo 2. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que a taxa de incidência de diabetes cresceu 61,8% nos últimos 10 anos no Brasil. O país ocupa o 4º lugar no ranking global em número de casos, atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos.

Estes números, por si só, já são alarmantes, mas a verdadeira crise tem uma dimensão ainda maior. A diabetes não aparece isoladamente: a doença metabólica da diabetes está associada a doenças cardiovasculares ateroscleróticas (principal causa de morte no mundo), esteatose hepática não alcoólica (atualmente a principal causa de transplante de fígado nos EUA), obesidade, fertilidade problemas em homens e mulheres, demência e cancro.

A doença metabólica associada ao diabetes é caracterizada por uma série de alterações que impactam o metabolismo das gorduras e ácidos graxos e, secundariamente, impactam o metabolismo dos aminoácidos.

Estas disfunções celulares desenvolvem-se silenciosamente ao longo de décadas, de modo que a doença associada à diabetes tipo 2 é um espectro de doença que vai desde a pura resistência à insulina nos músculos e no fígado até à sua associação com danos no pâncreas (morte das células que produzem insulina), culminando em níveis de glicose descontrolados, um momento muito tardio em todo o processo, mas que é quando se propõe diagnosticar oficialmente pré-diabetes ou diabetes.

Esperar por um diagnóstico de pré-diabetes ou diabetes para começar a agir é perder uma enorme janela de oportunidade para reverter o processo contínuo de doença metabólica.

Pior ainda, esperar significa correr o risco de perder as células do pâncreas que produzem insulina (o acontecimento central na “abertura” da diabetes), e isto significa menos hipóteses de uma reversão completa do processo. Existe também o risco de lesões permanentes em órgãos nobres. 10% a 20% das pessoas diagnosticadas com pré-diabetes são diagnosticadas com danos na retina, nos rins ou nos nervos.

Quero repetir a importância desta informação: as alterações nos níveis de glicose são um evento tardio. Para que esta fase fosse alcançada, foram necessários anos e décadas de doença contínua, período em que um pâncreas sobrecarregado tenta produzir insulina adicional para controlar os níveis de glicose dentro da normalidade.

Infelizmente, o pâncreas não pode trabalhar sobrecarregado indefinidamente, e isso culmina na morte progressiva das células do pâncreas que fabricam a insulina.

E como interromper esse processo antes que seja tarde demais? Com a implementação de intervenções muito precoces, focadas na melhoria do metabolismo dos ácidos gordos e hidratos de carbono, levando à melhoria da eficiência mitocondrial através do exercício e do controlo rigoroso dos níveis de glicose após as refeições (tóxicas para o organismo).

Infelizmente, estas intervenções muito precoces são praticamente ignoradas no atual modelo de saúde. Os médicos mal recebem formação em prevenção primária, muito menos em prevenção primordial, e existem várias hipóteses para explicar o fenómeno.

Primeiro, a medicina convencional dá prioridade aos tratamentos farmacológicos e cirúrgicos, enquanto estas intervenções muito precoces são maioritariamente comportamentais e dietéticas.

Em segundo lugar, os médicos não recebem formação adequada na prescrição de exercício e nutrição como ferramentas terapêuticas.

Terceiro, sistemas de saúde sobrecarregados, com consultas que duram em média 15 a 30 minutos, impossibilitam discussões sobre mudanças no estilo de vida — afinal, é mais rápido prescrever um medicamento.

Quarto, o conhecimento sobre a reversão de doenças metabólicas é multidisciplinar, mas os cuidados de saúde estão fragmentados em especialidades.

Esta triste realidade significa que milhões de pessoas em todo o mundo continuam a passar silenciosamente da resistência à insulina para a diabetes, sem saberem que poderiam evitar completamente este destino.

Se quisermos realmente enfrentar a crise das doenças metabólicas associadas à diabetes, que ameaçará o mundo nas próximas décadas, precisamos de mudar o paradigma do tratamento das doenças para manter a saúde.

A saúde não deve ser vista simplesmente como a ausência de doença, mas como um estado proativo de saúde e bem-estar metabólico, cuja probabilidade pode ser significativamente aumentada pelo estilo de vida que se leva.

Os pilares deste novo paradigma são: atividade física regular e exercício físico em dose eficaz, hábitos alimentares saudáveis, controlo do stress e sono adequado. PS: os medicamentos serão coadjuvantes bem-vindos em alguns casos, mas não entregam o que os pilares da saúde metabólica entregam.

Ao apostarmos na prevenção, podemos não só reduzir a incidência da diabetes tipo 2, mas também as doenças que são as suas consequências, como a doença cardiovascular aterosclerótica, o fígado gordo não alcoólico, a obesidade, os problemas de fertilidade (síndrome dos ovários policísticos nas mulheres e o hipoandrogenismo). nos homens), cancros e demência.

A hora de agir é agora. Este convite é tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. Os sistemas de saúde precisam de repensar o seu modelo, inclusive para a sustentabilidade financeira a longo prazo: o tratamento de uma epidemia de diabetes, doenças cardiovasculares, cancro e demência não será uma conta fácil de pagar.

Os artigos da equipe do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa utilizada no Brasil

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