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Os artigos elaborados pela equipe do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa utilizada no Brasil.

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Chego a Lisboa e tomo um café com uma amiga querida. Ela me recebe com um sorriso brilhante e as palavras: “Senti muita falta de você!”. Por um momento, fico dividido entre os sentimentos que sinto falta e as palavras que acabei de ouvir. Um tanto confuso, mas sincero, respondo: “Também senti muita falta de você!” Eu penso: por que ela não disse “senti sua falta”?

A língua portuguesa falada no Brasil tem um caráter mais conservador do que a falada em Portugal. No Brasil, foram melhor preservados elementos do português antigo, que foi transplantado com caravelas pelas bocas portuguesas. Foi o português europeu, especialmente o falado nas cidades, que se transformou mais rapidamente e trouxe novas características à língua.

É importante refletirmos sobre isso. Uma linguagem inscreve o indivíduo no mundo. Construa estoques. Mais do que isso, a cultura, a forma de ver o mundo, de se expressar e de permanecer parte de toda uma sociedade, também é fruto dessas relações linguísticas. Enquanto um coletivo modifica a linguagem e é por ela modificado, a vida acontece e as pessoas existem.

Por isso, é importante pensar na nossa língua portuguesa partilhada por sociedades que devem coexistir entre si… Aqui é preciso ter cuidado porque, caso contrário, divergências bem-intencionadas podem criar muros. Precisamos de pontes para a língua viver. Nossa dificuldade!

Há um choque, por vezes até violento, entre as variedades europeia e americana do português. Às vezes ouço que os brasileiros falam um português incorreto, que não é o português legítimo e verdadeiro. Precisamos discutir essa relação que, como falantes de português, aqui e ali, temos com a nossa língua, que se chama português, mas também é angolana, brasileira e de outras nações. Procuramos o diálogo, desejamos proximidade.

Voltemos à expressão “estou com saudades”. Ela é relativamente nova na língua portuguesa. Não aparece em registros mais antigos. Por exemplo, em Anátemade Camilo Castelo Branco, lemos: “A saudade de você que me angustiava” e não “A saudade de você que me angustiava”. As duas construções são hoje consideradas variedades possíveis. A escolha brasileira é, porém, a mais tradicional.

É claro que o português brasileiro incorporou novidades, porém, nem sempre com a mesma força do português europeu. Pegadas indígenas, africanas e de muitos imigrantes deixaram suas marcas. São Paulo, onde moro, recebeu muitos imigrantes italianos e a influência deles chegou ao idioma. Então ouço alguém no restaurante dizer: “Precisamos de uma mesa, somos quatro”. “Somos quatro” é a forma mais comum, como diria um lisboeta ou recifense. As mudanças, no entanto, foram mais lentas e mais conservadoras na América.

Novos desenvolvimentos podem enriquecer as possibilidades da nossa língua, da nossa “pátria”, como diz Caetano Veloso. As variações podem moldar melhor as histórias e identidades de diferentes coletivos. Compreender essas narrativas e realidades aproxima as pessoas. Precisamos refletir melhor sobre como construímos nossos diálogos entre nós, aqueles que falam português no mundo, para que nossa língua não cause divisões. Nesse sentido, o conhecimento nos ilumina.

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