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Matheus Bortoluz, 27 anos, mudou-se do Brasil para Portugal com a intenção de estudar Direito. Ele foi pelos corredores do Universidade de Lisboa que descobriu através de um colega que algumas agências estavam recrutando pessoas para atuar como figurantes em obras da área audiovisualisto é, em novelas e séries. O interesse foi imediato e ele se inscreveu.

Inicialmente, o gaúcho caxias do Sul ficou com medo devido a relatos de que muitos estudantes haviam caído em golpes e não recebiam o pagamento prometido. “Existem agências que vendem uma falsa ideia de fama, de possibilidade de trabalho, e que não respeitam nem um pouco o trabalhador, achando que estão fazendo um favor a ele ao contratá-lo. Então, como tudo na vida, cautela e pesquisa prévia são essenciais”, afirma.

Felizmente, ressalta Matheus, nos dois anos em que está no ramo de figuração, quase tudo saiu como planejado. E não lhe faltou trabalho, tanto que houve períodos em que trabalhou para quatro agências diferentes. Essa rotina agitada, porém, nunca afetou os estudos. As agendas são formadas de acordo com vida de estudante e várias tarefas escolares são realizadas durante os intervalos das gravações.

Como nem tudo na vida é perfeito, o estudante ressalta que, às vezes, há segregação entre atores, produção, diretores e figurantes durante as filmagens. “Daí a importância de estar em uma agência séria, que cuida e atende os interesses de todos, sem diferenciação”, destaca. Veja, a seguir, trechos da entrevista ao PÚBLICO Brasil com o gaúcho que não se considera nem um pouco tímido em desfilar diante das câmeras.

Como foi a experiência de ser figurante em obras audiovisuais?
Sou de Caxias do Sul que, apesar de grande, ainda é uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Portanto, eu não tinha muito conhecimento desse ramo, bem como de seu funcionamento. Sempre me interessei por obras audiovisuais, mas, por falta de acesso, o mundo cinematográfico e televisivo era para mim um enigma. Nunca trabalhei nessa área enquanto estive no Brasil.

Quais foram os desafios?
O maior desafio para um figurante em Portugal, e, sinceramente, creio que não estou a falar só de Portugal, mas da maioria dos países, é o reconhecimento. Infelizmente, os extras são frequentemente vistos como dispensáveis, embora claramente não o sejam. Por incrível que pareça, o maior desafio que um figurante enfrenta é ter a devida importância do seu trabalho reconhecido no meio ambiente. Claro que não podemos generalizar e, como se costuma dizer: cada trabalho é diferente. Mas, às vezes, há uma segregação entre os atores, a produção, o diretor e os figurantes. Daí a importância de estar em uma agência séria, que cuida e atende os interesses de todos, sem diferenciação.

Qual é o papel da agência?
A agência à qual o figurante está vinculado é a ponte entre ele e a produção. Em uma agência comprometida com seus colaboradores, não há motivo para preocupação. Assim como vivi situações chatas durante a gravação, tive momentos incríveis e trocas excepcionais. Não encontrei grandes desafios ao trabalhar nesta área, e o fato do idioma ser o mesmo é um grande facilitador. Também nunca fui uma pessoa tímida. Para mim sempre foi muito fácil interagir e me posicionar diante das câmeras. Esta foi certamente uma área que me despertou grande interesse.

Como é o mercado de trabalho?
Em Portugal é consideravelmente bom. Por ser um país onde o salário mínimo é baixo, muitas produções estrangeiras acabam por vir gravar os seus projetos, aproveitando que os custos exigidos para a sua produção serão consideravelmente inferiores aos do resto da Europa. Portanto, é muito raro faltar ao trabalho. Sempre haverá novelas, filmes, séries ou propagandas para participar.

E quanto aos salários?
Embora haja muito trabalho, o salário é baixo. Na maioria das vezes, um extra ganha menos por hora trabalhada do que seria um salário mínimo. Ainda temos que considerar que a obra é paga pelas agências três meses depois de realizada, ou seja, o que eu faço hoje só estará disponível para recebimento daqui a três meses. Porém, o rendimento médio torna-se relativo, tendo em vista que cada trabalho tem uma remuneração diferente. Se levarmos em conta a taxa mais comum e mais alta, chegamos ao valor de 50 euros (R$ 280) por 12 horas trabalhadas. Devemos ficar atentos ao fato de que essa taxa está vinculada à publicidade, ou seja, em outras obras, como novelas e algumas séries, o valor é consideravelmente menor. Até então, atuar era e é uma excelente forma de ganhar um dinheiro extra, mas continua sendo impossível se sustentar financeiramente em Portugal apenas trabalhando com isso.

Como você consegue conciliar esse trabalho com os estudos?
O trabalho com figuração é dinâmico, cada obra está em um lugar e num momento diferente da outra. Quando as agências lhe enviam trabalhos, elas primeiro verificam se você está disponível na data de registro. Portanto, é o próprio extra quem concede sua disponibilidade e administra seu próprio horário. Portanto, não é difícil conciliar os estudos com a atuação, tendo em vista que, em dias letivos, a disponibilidade para gravações é encerrada. Nos dias em que estamos gravando também é possível estudar, tendo em vista que existem trabalhos que não duram 12 horas, ou que começam muito cedo e, consequentemente, terminam mais cedo, possibilitando estudar antes ou depois da gravação. Aliás, dependendo do tipo de gravação, é possível estudar durante o trabalho, nos momentos em que o figurante fica em “stand by”. Nada impede que as pessoas levem consigo seu material de estudo para que, quando não estiverem sendo utilizados no palco, possam estudar e realizar seus trabalhos acadêmicos. Eu mesmo estudei e escrevi muito no set de gravação. Eu ficava esperando e então pegava o computador e montava meu plano de estudos ou até mesmo escrevia meus artigos.

E o que você aprendeu fazendo figuração?
Trabalhar com figuração permite conhecer novos lugares e pessoas de todos os cantos do mundo. Possibilita a troca de experiências e faz com que a pessoa se comunique diariamente com seus colegas e superiores. Além de ampliar horizontes, atuar é uma excelente forma de fazer com que as pessoas trabalhem para perder a vergonha ou a timidez, já que a figura é colocada no palco, diante das câmeras e, de certa forma, atua em determinados momentos. . Outra lição muito interessante é que, trabalhando como figurante, você tem a percepção de como funciona o mundo cinematográfico, como a edição de cena, como é feita a filmagem daquele projeto e, depois de feito, quando vamos assistir, estamos logo chocado com a diferença. Realmente acaba sendo um choque, pois a edição da cena no set de gravação é feita de uma forma bem diferente do que quem não conhece esse mundo acredita que ela seja gravada.

Que dicas você dá para outros brasileiros que querem entrar nesse mercado?
A dica que eu daria para quem está pensando em trabalhar como atriz, paralelamente aos estudos, é: vai! A figuração, por mais que tenha as suas questões, foi uma das melhores experiências e desafios que tive em Portugal. É importante ir com a mente aberta, não se deixar desrespeitar e se jogar de cabeça nessa aventura. É algo muito interessante para quem está pensando em começar. Outra dica extremamente importante para quem vai procurar agências para se cadastrar é perguntar sobre o pagamento do livro fotografias ou inscrições com preços exorbitantes. Pesquise as agências que você pretende se candidatar e, se possível, busque referências de pessoas que já trabalharam nessas empresas. Existem muitas agências que respeitam e se comprometem com os extras, mas também há muitas que vendem uma falsa ideia de fama, de possibilidade de trabalho e que não respeitam nem um pouco o trabalhador, pensando que estão lhe fazendo um favor contratá-los. Assim, como tudo na vida, cautela e pesquisas prévias são essenciais.

Você já sentiu algum tipo de discriminação?
Trabalho com figuração há dois anos, entre outros trabalhos dentro das gravações. Até hoje nunca sofri nenhum tipo de discriminação, seja qual for.

De quais agências você consegue trabalho?
No que diz respeito às agências, neste momento trabalho muito para a Estoril Models. Também sou cadastrado na Bendita Profissão e na Plural Castings. Das emissoras de televisão, trabalhei na RTP, SIC e TVI. Desde plataformas digitais, à Netflix (de vários países) e ao Disney Plus. Em relação à produção em si, é difícil dizer os nomes, pois foram muitas obras. Além disso, há projetos sobre os quais sabemos o mínimo possível, dado o sigilo daquela gravação.

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