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Os professores brasileiros têm feito um movimento silencioso, mas contundente, para obrigar o governo brasileiro a exigir explicações sobre as dificuldades que Portugal tem criado para que esses profissionais cheguem às salas de aula espalhadas pelo território português. Estima-se que, neste momento, existam aproximadamente 2 mil professores nas escolas portuguesasenquanto pelo menos 300 profissionais brasileiros, muitos com dupla cidadania, não conseguem validar seus diplomas por causa de burocracias criadas pelo Ministério da Educação, mais especificamente, pela Direção Geral de Administração Escolar (DGAE).

A confusão é tanta que em apenas um grupo do aplicativo de mensagens, ao qual o PÚBLICO Brasil teve acesso, há 384 professores participantes. As reclamações são muitas. A começar pelos critérios estabelecidos pelo governo português para comparar as horas de formação dos profissionais do Brasil e de Portugal. Para obter o diploma, o brasileiro precisa estudar cinco anos, em média. Entre os portugueses, a conclusão da licenciatura ocorre em três anos, denominado primeiro ciclo pelo Acordo de Bolonha, mais dois anos de mestrado, o segundo ciclo.

Para o professor Ricardo Jacob, de 53 anos, três dos quais residem em Portugal, há um mal-entendido por parte da DGAE, que acaba por dificultar o processo de equivalência de diplomas e de reconhecimento de habilitações, impedindo a participação de profissionais estrangeiros em concursos para preenchimento de vagas na rede pública. “Existe um acordo entre Brasil e Portugal para validação de diplomas universitários em igualdade de condições locais. Na nossa avaliação, os professores brasileiros têm o mesmo nível de formação dos portugueses, mas a burocracia de Portugal impede que o acordo seja considerado”, explica.

Distorções

Para os professores brasileiros, esse posicionamento do Ministério da Educação português acaba criando distorções, uma vez que, no Brasil, os profissionais portugueses têm sua formação reconhecida sem questionamentos. “Não estamos a ver um processo justo”, afirma a professora Rita Ramos, 55 anos. Ela conta que há mais de um ano tenta validar o seu diploma para dar aulas de educação artística em Portugal. No entanto, já lhe foi negado duas vezes o reconhecimento do seu diploma. Pior, ela ainda perdeu os 680 euros (R$ 4,1 mil) que pagou pelo serviço. “Estou num jogo de empurra, uma universidade me indica para outra instituição, que me manda para uma terceira, e nada se resolve. E estou assumindo os custos”, reclama ela.

Rita lembra que, apesar de ter concluído o mestrado em Portugal, onde reside há 23 anos, não conseguiu avançar com a validação do diploma. Uma das acusações que os professores brasileiros recebem pela negação do reconhecimento da sua formação no Brasil é a de não possuírem o título de mestre exigido em Portugal. “No meu caso, isso não foi considerado. Vivo num impasse devido a uma má compreensão da burocracia portuguesa. Os maiores perdedores são os estudantes, que ficam sem aulas. O ano letivo começou esta semana, mas milhares de alunos não puderam estudar porque não havia professores”, acrescentou.

Não há tempo para responder

Procurado pelo PÚBLICO Brasil via e-mail para comentar as dificuldades enfrentadas pelos professores brasileiros na validação de seus diplomas, o Ministério da Educação respondeu que não poderia responder aos questionamentos devido ao retorno do ano letivo. Talvez ele “tentasse” se posicionar nos próximos dias. Para a diplomacia brasileira, algo precisa ser feito com urgência para resolver os impasses. Na Embaixada do Brasil em Portugal, o entendimento é que o governo português não está cumprindo um acordo firmado entre os dois países.

O professor Rodrigo Ennes, 47 anos, é graduado em ciências humanas, com especialização em português e inglês. Tem mestrado e doutorado e mudou-se para Portugal para fazer pós-doutorado. Ele conseguiu que suas qualificações fossem reconhecidas e lecionou no último ano com contrato temporário. No entanto, não pode ingressar na função pública ou seguir a carreira de professor devido a requisitos de qualificação que, na sua opinião, são infundados.

“Estou em Portugal desde 2022. Ao longo deste ano, preenchi toda a papelada para me habilitar a lecionar no ensino público. Enviei toda a documentação através do site da DGES (Direção Geral do Ensino Superior), que encaminha tudo para uma universidade”, destaca Ennes. “Eles começaram a solicitar uma série de outros documentos. Em seguida, pediram para reenviá-los com resolução maior. Uma loucura”, acrescenta.

Processo judicial

Na semana passada, o professor Ennes recebeu uma carta da DGAE convocando-o para audiência preliminar, com tendência para rejeitar a validação do diploma. “Pediram um documento que não está na lista, um comunicado da comissão estadual de educação do estado do Brasil onde estagiei, especificando a faixa etária dos alunos no período em que fiz estágio. Depois disso, lecionei por 17 anos para alunos do ensino fundamental e médio de todas as idades. O que sinto é que vivemos uma lotaria na função pública portuguesa. O andamento dos processos depende de quem te atende. Não há critérios gerais”, afirma.

O professor MS, 31 anos, de Brasília, pediu para não ter seu nome publicado por orientação de seu advogado. Ele move uma ação judicial contra a DGAE. O professor, que lecionou filosofia no Brasil, está em Portugal há três anos e meio. “Apresentei o pedido de reconhecimento da qualificação específica em 2021 e, até ao momento, não obtive resposta. Para não ficar parado, comecei a trabalhar como auxiliar de ensino e às vezes tinha que limpar o banheiro da escola. Também trabalhei em outras funções mais precárias. Isto é injusto. Sou professor e tenho excelente formação”, enfatiza.

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