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Em novembro de 2023, uma brasileira foi vítima de agressões verbais por parte de uma portuguesa, no aeroporto do Porto. A brasileira descia as escadas quando teve o pé atingido por uma mala. Perante a dor que manifestava, a portuguesa começou a insultá-la, afirmando que a brasileira não era bem-vinda em Portugal. “Volte para sua terra natal”, disse o agressor, enquanto a chocada brasileira registrava as ofensas com a câmera do celular. Essas imagens viralizaram nas redes sociais e em diversos meios de comunicação no Brasil e em Portugal.

Nos últimos anos, os casos de xenofobia e preconceito contra os imigrantes ganharam destaque em Portugal, em grande parte devido à popularização das redes sociais e à facilidade de gravação e partilha de vídeos. Entre os grupos mais vulneráveis ​​estão os brasileiros (cerca de 500 mil vivem em Portugal). Muitos vêem o registo e a divulgação destes actos como uma forma de expor a discriminação e procurar justiça. Porém, é importante ter cuidado, pois existem riscos jurídicos significativos para quem decide publicar essas imagens na internet.

Segundo a advogada Mariana Balaciano, especialista em direito da privacidade e sócia do CPPB Law, o cenário europeu em relação aos direitos de imagem é mais restritivo que o brasileiro. “No Brasil, existe um entendimento cultural de que a liberdade de expressão e o direito à informação podem muitas vezes se sobrepor ao direito à privacidade. Mas, na Europa, particularmente em Portugal, as regras são mais rígidas, especialmente após a implementação de Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) em 2018″, afirma.

Contexto Europeu

O GDPR, que regula a proteção de dados pessoais na União Europeia, estabelece que qualquer pessoa tem o direito de controlar o uso da sua imagem, mesmo em casos que envolvam comportamento ilegal ou imoral. No Brasil, a prática de filmar alguém cometendo ato de xenofobia ou racismo em público e compartilhar essas imagens seria amplamente aceita sob a justificativa de interesse público. Em Portugal, porém, a exposição de uma pessoa, mesmo que envolvida em comportamentos deploráveis, pode ser vista como uma violação do direito à privacidade.

Nos últimos anos, diversas situações de xenofobia em Portugal têm sido expostas através de vídeos nas redes sociais, gerando discussões acaloradas sobre os limites da liberdade de expressão e do direito à imagem.

Para Mariana, este tipo de situação representa um dilema jurídico: “Mesmo que a intenção seja legítima — denunciar um crime de xenofobia —, a divulgação da imagem de uma pessoa pode gerar problemas jurídicos para quem publicou o vídeo. forte proteção à privacidade, e mesmo em situações de flagrante, recomenda-se que essas imagens sejam entregues às autoridades competentes, e não expostas nas redes sociais.”

Casos recorrentes

Nos últimos anos, Portugal tem assistido a um aumento de denúncias de xenofobia, mas os números ainda estão longe de retratar a realidade. Dados de Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) no Relatório Anual sobre a Situação da Igualdade Racial e Étnica e da Não Discriminação mostram que, em 2022, os brasileiros terão sido o principal alvo de discriminação no país. Foram 168 reclamações (34,2% do total de registros, que chegou a 491).

De acordo com o “Inquérito às Condições de Vida, Origens e Trajetórias da População”, de Instituto Nacional de Estatística (INE)apenas 8,8% dos cerca de 1,2 milhão de pessoas que afirmaram ter sido alvo de discriminação fizeram algum tipo de reclamação. A maioria, 46,5%, disse não ter feito reclamação por considerar que “nada mudaria”. Cerca de 55% dos brasileiros entrevistados disseram ter se sentido discriminados — o principal fator de discriminação no último relatório da CICDR foi também a nacionalidade brasileira, responsável por 34% das reclamações.

Ataques e multas

Em Portugal, a recomendação aos brasileiros que presenciam atos de xenofobia é clara: evitem publicar vídeos nas redes sociais sem o consentimento das pessoas envolvidas, mesmo que estejam cometendo atos ilegais. Mariana Balaciano reforça: “Na Europa, a exposição pública pode gerar processos judiciais, e a violação dos direitos de imagem pode resultar em pesadas multas, além de danos morais”.

Ela ressalta ainda que, em vez de expor as imagens publicamente, a melhor forma é recorrer às autoridades, que podem usar as gravações como prova para punir os infratores. “Há uma diferença entre o ofendido registrar o ataque para se defender e um terceiro expor essa pessoa na internet. Mesmo que a intenção seja fazer justiça, o resultado pode ser prejudicial”, finaliza.

Com o aumento dos casos de xenofobia e a crescente visibilidade das redes sociais, é importante que os brasileiros que vivem ou visitam Portugal saibam o que fazer em situações de discriminação.

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