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O Supremo Tribunal Federal (STF), o mais alto tribunal jurídico do Brasil, vai decidir uma disputa que envolve bilhões de reais e milhares de brasileiros que vivem fora do país, muitos deles residentes em Portugal.

De um lado, está a Receita Federal do Brasil; de outro, aposentados que moram no exterior e que, desde 2013, cobram alíquota única de 25% de Imposto de Renda (IR) sobre seus benefícios. Apenas o aposentado pagos pelo Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) residentes em Portugal totalizam quase 7 mil.

Essa disputa judicial também envolve aposentados brasileiros que complementam sua renda por meio de fundos de previdência privada. Consideram-se excessivamente tributados pelo fisco brasileiro. Em entrevista ao PÚBLICO Brasil, Fernando Mombelligerente de Projetos da Receita Federal, admite que a prática penaliza aposentados e pensionistas brasileiros.

No meio desse imbróglio está a Autoridade Tributária (AT) portuguesa, que vê a Receita Federal invadindo seus direitos exclusivos de tributar os aposentados brasileiros residentes fiscais no país europeu. Segundo dados do extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em 2020, existiam em Portugal cerca de 6 mil brasileiros com autorização de residência D7 (reformados e com rendimentos).

Na opinião de advogados ouvidos pelo PÚBLICO Brasil, devido a diversas decisões da Justiça Federal brasileira, esses contribuintes aposentados tiveram seus direitos constitucionais desrespeitados. Deveriam, na verdade, ser tributados de forma progressiva, como acontece com quem tem residência fiscal no Brasil.

Dizem ainda que o mesmo deverá acontecer com as pensões complementares (fundos de pensões ou fundos de investimento do tipo PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) e VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre), análogo ao PPR, o Plano Poupança Reforma de Portugal) .

Para os advogados, cobrar uma alíquota única de IR de 25% sobre as previdências vai contra o Tratado de Não Dupla Tributação, que rege as relações tributárias entre Brasil e Portugal. A Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) não respondeu aos pedidos de informação sobre quantos reformados brasileiros (dos sectores público e privado) residem actualmente em Portugal.

Vitórias na Justiça Federal

Muitos aposentados obtiveram vitórias na Justiça, revertendo a decisão da Receita Federal, que negou a essas pessoas o direito de continuar tendo acesso à tabela progressiva do Imposto de Renda (que varia de 0% a 27,5%). Esta tabela é aplicada a todos os brasileiros que recebem benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), de fundos de previdência públicos e privados ou de fundos de pensão PGBL e VGBL.

Em 2016, o governo federal promulgou a Lei 13.315, que regulamentou a cobrança para aposentados e pensionistas no exterior. Com isso, independentemente do valor do benefício recebido no exterior, desde um salário mínimo (R$ 1.412 ou 236 euros) até o teto do INSS (R$ 7.786 ou 1.297 euros), todo aposentado ou pensionista passou a ser tributado em 25% do IR. sobre o valor da aposentadoria ou pensão.

Caso o Supremo decida a favor deles, o IR excedente retido na fonte deverá ser devolvido, em valores corrigidos e, a partir da publicação da sentença, o encargo sobre os rendimentos será menor, aliviando o orçamento dos beneficiários.

Fernando Mombelli, gerente de projetos da Receita Federal do Brasil, admite que o imposto de 25% prejudica os aposentados
Fernando Thompson

Decisão sem precedentes

Em decisão inédita, em 2021, o ministro Dias Toffoli, do STF, impôs derrota à Receita. O órgão tentava reverter decisões dos Tribunais Regionais Federais, que haviam vencido a ação dos aposentados que contestavam a tributação excessiva sobre seus rendimentos.

O ministro escreveu em seu despacho: “Considero extremamente aconselhável, neste momento, que o Supremo Tribunal Federal se pronuncie, no regime de repercussão geral, sobre a constitucionalidade das normas jurídicas questionadas, a fim de garantir segurança jurídica aos tributação do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) incidente sobre benefícios previdenciários e de aposentadoria recebidos por pessoas físicas residentes no exterior de fonte nacional. Diante do exposto, manifesto meu apoio à existência de matéria constitucional e à repercussão geral do tema, submetendo o caso à apreciação dos demais ministros da Corte”.

O tema também está em debate no Congresso Nacional. Em 2021, a Comissão de Defesa dos Direitos do Idoso da Câmara dos Deputados aprovou proposta segundo a qual rendimentos de aposentadorias e pensões, transferências para reserva remunerada ou aposentadoria, tenham tratamento igualitário no Imposto de Renda (IR), se recebidos em no país ou no exterior.

Um substitutivo foi apresentado pelo relator, deputado Felício Laterça (PSL-RJ), ao Projeto de Lei 1418/07 e anexo. De autoria do ex-deputado Antonio Carlos Mendes Thame, o texto original tinha como objetivo acabar com as isenções fiscais para brasileiros com investimentos no exterior. Ó projeto processado em personagem conclusivo e ainda será analisado pelas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Atualmente, os rendimentos dos aposentados e pensionistas residentes no exterior são tributados com IR na fonte à alíquota de 25%, de acordo com a Lei 9.779/99, e com poucos direitos de utilização de descontos em despesas com educação ou saúde. Os residentes no Brasil, além do direito às deduções legais, são tributados de acordo com a tabela progressiva.

Fábio Pimenteldo Pimentel Aniceto Advogados, elogia a decisão do ministro Toffoli e afirma que a Receita desrespeita a Constituição e o Acordo de Não Dupla Tributação entre Brasil e Portugal. No primeiro caso, porque não segue o princípio da isonomia, que define que todos são iguais perante a lei. Isto significa que o Estado deve tratar todos os cidadãos de forma igual, sem qualquer tipo de discriminação.

No caso do acordo com Portugal, o desrespeito ocorre quando a Receita tributa as pensões privadas (fundos de pensões e de investimento PGBL e VGBL), o que, segundo o tratado, é da exclusiva responsabilidade da Autoridade Tributária Portuguesa. “Se a Receita Federal perder no STF, acho que ela deveria perder, vai ter que corrigir monetariamente todo esse passivo. Bilhões de reais estão em jogo. E grande parte deste dinheiro será canalizado para consumo dos reformados que vivem em Portugal”, afirma Pimentel.

Vale a pena ir a tribunal

Os Tribunais Regionais Federais do Brasil já entenderam que a cobrança prevista na Lei 13.315, que estabeleceu uma alíquota única de 25% de Imposto de Renda sobre pensões e benefícios de aposentadoria pagos no exterior, é inconstitucional, por não respeitar os princípios da isonomia entre os contribuintes. a progressividade do Imposto de Renda e a garantia do não confisco. Até a decisão do STF, que não tem data para analisar o tema, a melhor opção, segundo advogados, é recorrer à Justiça Federal.

Mas atenção: com ação judicial, além de bloquear descontos indevidos nas futuras parcelas mensais de benefícios previdenciários, é possível obter a restituição do valor do Imposto de Renda cujo recolhimento foi considerado indevido nos cinco anos anteriores ao ajuizamento do pedido. a ação.

Fernando Mombelli, Gerente de Projetos da Receita Federal do Brasil, afirma ao PÚBLICO Brasil: “Se o contribuinte está reclamando, ele tem razão. Esta questão foi questionada no passado. Mas não podemos resolver casos isolados”, afirma. Para ele, o problema está no sistema utilizado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para reter o imposto de renda diretamente na fonte, no momento do pagamento dos benefícios. Mombelli afirma que a única alternativa que resta aos contribuintes que se sentem prejudicados é buscar justiça. “Não é possível resolver casos individuais”, reforça.

Cármen Sílvia Lima de Arruda, desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região), reconhece a gravidade do assunto, pois envolve milhares de aposentados. “Esse deveria ser um assunto a ser tratado pelos governos do Brasil e de Portugal. Não podemos lidar com casos isolados. Deve ser uma questão de Estado”, analisa.

Fábio Pimentel afirma que, no Brasil, a batalha judicial para recuperar esse IR indevidamente cobrado será longa. Os contribuintes devem recorrer à Justiça, mas a decisão pode levar anos. “O pior é que os descontos de IR continuam sendo feitos mesmo nos processos que tramitam na Justiça. Isso significa que os contribuintes terão que recorrer novamente à Justiça com novos processos, num loop interminável”, destaca. O IRS não detalhou o tamanho da responsabilidade envolvida nesta disputa.

Os artigos da equipe do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa utilizada no Brasil

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