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Setembro começa com o retorno das férias. Mas os dias de descanso já terminaram em outros níveis. À medida que os votos a favor do Orçamento do Estado se aproximam, o executivo recebe exigências de partidos de esquerda sobre pontos de divergência. Se modificados, poderiam, quem sabe, viabilizá-lo. Nada de estranho, até agora. As negociações fazem parte da política. Do outro lado, a chantagem explícita da extrema direita, as suas condições de presença e entrada de imigrantes em Portugal.

Esta condição não é aleatória. Todos sabem da importância dos imigrantes para múltiplas áreas de trabalho e do seu imenso investimento no país, aumentando significativamente a arrecadação de impostos. É sobre outra coisa. Sustentar um dos principais recursos dos conservadores radicais: encontrar alguém a quem atribuir o perigo social e económico, na chamada Guerra Cultural. Mas de onde veio isso?

A expressão se transformou em “guerra” durante a década de 1920 americana, quando o significado alemão original do século 19, Choque cultural (algo como conflito cultural) foi modificado. Mais tarde, o sociólogo James Davison Hunter ampliou a expressão (1960) e desenvolveu o entendimento atual em um livro (Guerras culturais: a luta para definir a América1991), ao problematizar a disputa entre progressistas e conservadores sobre valores e comportamentos morais.

Na mesma década de 1960, foi criada no Brasil a TFP – Tradição, Família e Propriedade – com viés ultraconservador e ultraliberal. A estratégia e a ideologia sobrepuseram-se ao que já emergia noutros países e espalharam-se oficialmente por toda a América Latina (finais da década de 1960 e início da década de 1970); depois para Espanha (1971), EUA (1974), França (1977) e nunca deixou de adquirir novos formatos.

Nas últimas décadas, a extrema direita percebeu que o pensamento inicial não é suficiente para apoiar os seus princípios. Portanto, definiu símbolos para cada um dos três eixos. Hoje somos confrontados com três temas: o aborto, como destruição da concepção divina da vida; a ideologia de gênero e homo/trans/afetividade, como ataque à família nuclear cristã; imigrantes e refugiados, como usurpadores de propriedade e invasores de vertentes nacionalistas. E é aqui que os extremistas portugueses vêm propor controlos, proibições e isolamento dos imigrantes.

Segundo Aris Komporozos-Athanasiou, sociólogo professor da University College London, começamos a viver num estado de especulação imaginativa, em que as experiências políticas (Tradição), sociais (Família) e económicas (Propriedade) são fragmentadas e instáveis. Na impossibilidade de aceder a estas experiências de forma mais profunda, os extremistas conservadores agem sobre a nossa imaginação, traduzindo-as em símbolos fáceis de compreender e manipular. Funcionou.

Portanto, ficam duas lições e uma pergunta: a primeira, que a compreensão indisfarçada da nossa realidade e a aceitação dos limites e erros abriram caminhos para a construção de símbolos e signos moderadores. A segunda, que os símbolos e signos moderadores criam diálogos efetivos com as nossas percepções, provocando transformações profundas, muito rapidamente. E, por fim, que símbolos criamos, em contraponto, para evoluir as nossas capacidades imaginativas de forma crítica e consistente?

Se compreendermos o poder dos símbolos, poderemos organizar respostas à sociedade, não aos extremistas, e reverter a Guerra Cultural que tanto lhes interessa. E o símbolo inicial mais urgente é a ressignificação do humano, naquilo que nos permite existir em relação ao mundo e às suas complexidades. A cultura carrega esse poder, pois é o campo de formulação de experiências estéticas e simbólicas capazes de criar novas percepções.

Portanto, se algo te incomoda, o melhor a fazer é ir ao teatro, ao cinema, aos museus, passear pela cidade e observar a sua arquitectura, encantar-se com a luz de Lisboa ou do Porto ou de muitas outras cidades e regiões do país. conhecer este lindo país, ouvir músicas novas, ler poemas, comprar livros, provar sabores e sentir-se vivo. Ou, radicalmente e acima de tudo, apenas humano.

Leituras sugeridas:

Comunidades Especulativas: Vivendo com a incerteza num mundo financeirizado, por Aris Komporozos-Athanasiou. The University of Chicago Press, 2022. (Edição em espanhol prevista para este ano).

Reencantando o mundo: Feminismo e a política dos comuns, de Silvia Federici. Editora Elefante, 2022.

O que vem depois da farsa?: Arte e crítica em tempos de desastre, de Hal Foster. Ubu Editora, 2021.

O sentido da vida, por Terry Eagleton. EditoraUnesp, 2021.

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