Texto alternativo

Os artigos elaborados pela equipe do PÚBLICO Brasil são escritos na variante da língua portuguesa utilizada no Brasil.

Acesso gratuito: baixe o aplicativo PÚBLICO Brasil em Android ou iOS.

Quem for ao Teatro do Bairro a partir desta quinta-feira (09/12) deve estar preparado para múltiplas emoções. O alerta é do dramaturgo e diretor Ruy Filho, autor da peça Inevitávelcom os atores Chico Diaz e Cassiano Carneiro. Tudo é mutável, a começar pelo texto, modificado a cada apresentação, que vai até 22 de setembro, sempre de quinta a domingo.

Ruy não esconde o entusiasmo pela possibilidade de surpreender constantemente o público. A apresentação é baseada em acontecimentos de diversas áreas, que alteram a dinâmica da peça. “Nunca fiz nada parecido”, diz Carneiro. “Esta peça me deixa desconfortável”, acrescenta Diaz.

O PÚBLICO Brasil foi convidado a mergulhar nessa experiência teatral contemporânea, incluindo provas de figurino, montagem de palco, ajustes de iluminação e som. O teatro é outra atração à parte. Nasceu em um prédio que já foi ocupado pelas rotativas do extinto jornal Diário Popular. Hoje é operado por uma produtora cinematográfica, a AR de Filmes, como cinema ou para shows de música e dança.

Inevitável Decorre de um acontecimento não revelado que impulsiona os diálogos dos personagens, sempre em busca de respostas. Para fazer essa conexão, Ruy fala da pesquisa que fez para chegar a essa encenação contemporânea.

O dramaturgo Ruy Filho, autor da peça Inevitável, que estreia esta quinta-feira em Lisboa
Arquivo pessoal

Qual é a sua escola de teatro?
Durante 10 anos, trabalhei como assistente de direção de Gerald Thomas e no Teatro Oficina, de José Celso Martinez, todos em São Paulo. Na Oficina, trabalhei na gravação e preparação As Bacantes, quando as peças começaram a ser gravadas em vídeo por Fernando Coimbra, cineasta que trabalhava com o Oficina. Tudo isso foi uma experiência transformadora, mudou minha vida. Minha escola é a do Gerald Thomas, passei 10 anos acompanhando as criações dele, ajudando atores, estudando estética, porque o Gerald é muito estético. Depois, estudei direção com Antônio Araújo, do Teatro da Vertigem, da Universidade de São Paulo (USP), como ouvinte. Ele me permitiu ficar por dentro, bisbilhotando e acompanhando tudo e, mais recentemente, trabalhei com Felipe Hirsch em diversos projetos.

Você também é formado em Teatro?
Eu não estou. Um dia, conversando com Clóvis Garcia, que foi um dos mais importantes críticos brasileiros da história do teatro, falei para ele que faria vestibular para teatro. E ele perguntou se eu queria ser ator. Eu disse que não e ele sugeriu que eu estudasse arte e filosofia. Seguindo essa recomendação de um crítico que respeito muito, me formei em artes visuais. Foi a melhor coisa que fiz, porque me deu a oportunidade de pensar o teatro através de outras camadas, por outros caminhos.

E como o caminho leva à peça Inevitável?
A peça envolve muito trabalho de ator, texto e diálogo. O conceito estético interessou muito Chico e Cassiano. Então, tentamos sobrepor interesses. Temos uma estrutura montada, que acontece sempre igual. Algumas coisas são fixas e se repetem todos os dias. Outros dependem de eventos. No dia 12 selecionei alguns. São eventos bem específicos, que dão um visual diferente a cada dia do show. Há questões políticas, sobre insurgências e revoltas. Alguns dias são mais poéticos, outros são mais bobagens ou irônico.

Como estão os atores em meio a essas mudanças diárias?
Os diálogos, as conversas, a relação entre os dois atores são sempre as mesmas. Isso está consertado. O que muda é o seu entorno, que permite, a cada dia, uma interpretação completamente diferente. Se há um dia de insurgência, de revolta e isso afeta outros estados de espírito, emoções, é assim que avançamos. Então, eles brincam um pouquinho para entender a relação, como o público está absorvendo a primeira parte, para depois entender como avançar com o espetáculo. Não é fácil.

Como surgiu o projeto?
O Chico me convidou há muitos meses e iniciamos uma conversa à distância. Eu não criava há mais de 10 anos. Foi uma provocação. Na época, me pareceu assustador e demorei um pouco para dizer assim. Realmente começamos a definir o projeto há 20 dias. Apresentei os textos, fiz essa proposta dos dias serem os próprios eventos. Minha ideia inicial era escrevermos juntos, mas os atores preferiram não se envolver diretamente na escrita e a peça acabou sendo só minha.

E a assembleia?
O que me levou a trabalhar com o José Celso, com o Gerald Thomas, sobretudo, e, depois, com o Felipe Rich, é que escrevo já pensando na cena com o som, a luz, a distribuição no palco, todas as marcações. Na minha cabeça, sou sempre um diretor, nunca um dramaturgo. A dramaturgia é uma forma de materializar o pensamento do diretor. Preciso criar uma peça que traduza o que imaginei acontecendo no palco. Não o contrário. Nunca escrevo uma peça e depois entendo como vou levá-la ao palco. Sempre imagino como será tudo no palco. O normal seria separar o dramaturgo do diretor. Aqui, neste caso, é o diretor quem escreve.

Como foi a montagem da equipe?
Convidei a equipe de teatro para criar comigo. Todos muito jovens. O João Veloso, que é o técnico de iluminação, me ajudou a criar a iluminação. Antônio Oliveira criou toda a ambientação sonora do show. Há uma música inédita, uma composição erudita que se desenrola em dois momentos, que perguntei a Rafaele Andrade, uma brasileira brilhante, que mora em Amsterdã. Toda a equipe ao redor é muito jovem. Isto é muito importante. Para mim é fundamental criar com os jovens, porque eles sabem muito, estão aqui, vêem tudo, conhecem todos os equipamentos, já viram todos os efeitos possíveis. Eles já fizeram tudo. É uma oportunidade.

Como você encontrou os assuntos que estão na peça?
Foi muito casual. Tenho tentado muito ver as coisas da espécie dele. Há um dia específico em que, durante quase 20 anos, alguns tipos de animais invadiram algum local urbano. Sempre naquele dia. Fiz uma lista das vezes que isso aconteceu e escrevi um texto sobre esses animais invadindo o mundo. Só nesse dia não faz sentido, mas é interessante. Não responderemos aos acontecimentos. A ideia não é resolver nada. A ideia é que as pessoas saiam do teatro pensando nas nossas próprias inevitabilidades.

E o que é inevitável?
Quase tudo é inevitável. Sabemos, é inevitável, que morreremos. Sabemos que vamos morrer, mas não sabemos quando nem como. O inevitável também pode ser algo muito bom e muito positivo. Se é inevitável morrer, também é inevitável estar vivo. E podemos tornar isso uma coisa linda. Posso viver buscando um estado de felicidade e bem-estar. Eu posso superar isso lindamente. É uma escolha, não é fácil, nem estou dizendo que pode ser feito. Mas acho que esta é uma boa mensagem por enquanto. Paramos e sentamos com um pouco mais de calma. É esse movimento que proponho. Quando peço ao público que fique aqui uma hora, parado, pensando o que não planejou pensar, é para não ter uma resposta ou uma moral no final. Quem sou eu para moralizar as pessoas? O que propomos é nos desconectarmos um pouco e vivermos essa experiência de sermos permeados por poéticas inesperadas.

Fuente