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Os brasileiros que moram em Portugal e aumentam a aposentadoria por meio de fundos de pensão e previdência privada devem ligar o sinal de alerta. É só que o Receita Federal vem tributando esse complemento de renda em 25%, quando o correto seria que a arrecadação do imposto fosse feita pelo Autoridade Tributária (AT) Português, uma vez que estes contribuintes transferiram a sua residência fiscal para o país europeu.

Os fundos de pensão podem ser de empresas públicas ou privadas, enquanto os fundos de pensão normalmente são administrados por bancos e seguradoras, sendo os mais comuns o PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) e o VGLB (Plano Gerador de Benefício Livre Vida). Esses fundos são uma forma de garantir aos trabalhadores que, ao se aposentarem, tenham um rendimento próximo ao salário que recebiam enquanto estavam na ativa.

Quem acompanha de perto este tema garante: tal tributação é proibida pela “Convenção entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Imposto sobre o Rendimento”. Este Tratado foi assinado em 16 de maio de 2000 e promulgado pelo Decreto nº 4.012, de 13 de novembro de 2001. Mas, apesar do acordo, os brasileiros com residência fiscal em Portugal estão pagando mais impostos do que deveriam. E quem admite isso é a própria Receita Federal do Brasil.

Fernando Mombelli, da Receita Federal do Brasil, diz que aposentados podem recorrer à Justiça para pagar menos impostos
Fernando Thompson

Diz Fernando Mombelli, subsecretário de Tributação e Contencioso da agência: “Não podemos resolver casos isolados”. Segundo ele, o problema está no sistema utilizado pela Receita Federal para reter o Imposto de Renda (IR) direto na fonte, no pagamento de aposentadorias e pensões. Ele afirma que a única alternativa que resta aos contribuintes que se sentem lesados ​​é recorrer à Justiça.

Questionado pelo PÚBLICO Brasil sobre o tema, um membro do governo português informa que, “quando se trata de pensões consideradas não públicas (privadas), de fonte brasileira, pagas a residentes fiscais em Portugal e resultantes de emprego anterior, o regra geral é que são tributados exclusivamente em Portugal (cf. não. 1º do artigo 18º do CDT Portugal/Brasil)”.

Tribunal Internacional

Para entender melhor esse tema, é importante esclarecer os conceitos de aposentadoria no Brasil. O Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) garante benefícios aos trabalhadores até um limite máximo, agora de R$ 7.786 (1.297 euros), desde que tenham contribuído para isso. Este sistema é administrado pelo Estado. Há também pensões pagas aos servidores públicos das três esferas de governo – federal, municipal e estadual. Em ambos os sistemas, os trabalhadores e funcionários públicos podem complementar os benefícios através de fundos de pensões abertos ou fechados.

Na opinião do advogado Fábio Pimentel, do escritório CPPB Advocacia, “ao desrespeitar um acordo internacional, o Brasil está sujeito a ser julgado no Tribunal de Haia”. Para ele, o sistema tributário seguido pela Receita Federal é injusto com os brasileiros. “Na concepção do tratado, a aposentadoria, mesmo a aposentadoria privada, não deveria ser tributada nos dois países. Mas isso acontece por imposição legal do fisco brasileiro. O Brasil não permite o lançamento do número de conta em banco estrangeiro para que os beneficiários recebam pensões”, acrescenta a advogada Catarina Zuccaro, do escritório CZAdvogado.

Ela lembra que os governos portugueses anteriores incentivaram muitos aposentados brasileiros a cruzar o Atlântico para se beneficiarem de incentivos fiscais. Neste contexto, está incluído o visto D7 (aposentados e pessoas com renda). Esses imigrantes são público-alvo de diversos países, pois possuem renda e patrimônio, investir nos lugares para onde se mudamespecialmente no setor imobiliário.

Mas, com o fim do antigo incentivo aos Residentes Não Habituais (RNH), muitos aposentados brasileiros poderão retornar, pois a bitributação das pensões poderá afetar o orçamento doméstico. O atual Governo anunciou uma nova versão de incentivos fiscais, porém, os benefícios serão direcionados aos trabalhadores especializados e não aos aposentados.

Dados do INSS indicam que quase 7 mil segurados brasileiros têm residência fiscal em Portugal, mas não se sabe quantos deles complementam os seus rendimentos com benefícios pagos por pensões privadas.

Receita Federal do Brasil cobra imposto de 25% sobre previdência privada de brasileiros que tenham residência fiscal em Portugal
DIVULGAÇÃO

Batalha legal

Fabio Pimentel diz que, no Brasil, a batalha judicial para recuperar o Imposto de Renda recolhido irregularmente é longa. “Mesmo no caso de quem já obteve decisão favorável, a tributação pela Receita continua”, enfatiza. “Estamos falando de um tema complexo, desconhecido por muita gente”, acrescenta o advogado.

É o caso do deputado federal Pedro Paulo (PSD/RJ), que foi relator da reforma tributária na Câmara Federal. “Temos que olhar para o caso específico, pois não tenho conhecimento dele. Precisamos parar, olhar, ver o que é. Mas, se houver (se houver bitributação ou alguma cobrança indevida de impostos), obviamente, o Parlamento será sensível aos brasileiros que moram em Portugal”, afirma o deputado.

Para Pimentel e Catarina, a postura da Receita Federal poderia inibir outros aposentados brasileiros de se mudarem para Portugal, o que seria ruim do ponto de vista econômico para o país europeu. Só nos primeiros quatro meses deste ano, os brasileiros, em geral, despejaram 97 milhões de euros (R$ 581 milhões) em território português. Este valor representa cerca de 2,5% da balança de pagamentos de Portugal no mesmo período, segundo dados divulgados pelo Banco de Portugal e pelo Banco Central do Brasil.

Através do Ministério das Finanças, ao qual está subordinada, a Autoridade Tributária enviou ao PÚBLICO Brasil a seguinte nota: “1) Os sujeitos passivos ficam obrigados a comunicar à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) a alteração do seu domicílio fiscal, o a alteração de morada é ineficaz até ser comunicada à AT.”

Além disso: “2) A AT não adota qualquer estratégia ou procedimento de fiscalização especificamente dirigido aos cidadãos brasileiros, residentes ou não residentes em Portugal, sendo estes cidadãos tratados da mesma forma que os demais cidadãos estrangeiros, nomeadamente quando solicitam a atribuição de número de identificação fiscal (TIN) ou no que diz respeito ao envio de alertas para apoiar o cumprimento voluntário das suas obrigações fiscais”.

Contactados, a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e o Banco de Portugal não se pronunciaram. O INSS afirmou que a tributação é de responsabilidade da Receita Federal.

É legal ou não?

Diante desse imbróglio, muita gente se pergunta se o Brasil está cometendo alguma irregularidade ao descumprir um tratado internacional. A resposta é complexa e depende de vários factores, incluindo a natureza específica do tratado, as leis nacionais de ambos os países e a jurisprudência internacional.

Em geral, os tratados internacionais não são directamente aplicáveis ​​nos países signatários, exigindo a implementação através de leis nacionais. Isso significa que, para que o tratado de não bitributação entre Brasil e Portugal produza efeitos jurídicos no território brasileiro, ele deve ser incorporado à legislação brasileira. Oficialmente, existe uma lei interna no Brasil que regulamenta o Tratado assinado com Portugal em 16 de maio de 2000. É o Decreto nº 4.012, de 13 de novembro de 2001.

O decreto define termos utilizados no Tratado, como “imposto de renda”, “residente”, “estabelecimento permanente”, “dividendo”, “juros”, “royalties“, “ganhos de capital”, “pensões”, entre outros. O documento também estabelece as regras de tributação para cada tipo de rendimento, de acordo com o disposto no acordo. Por exemplo, rendimentos de trabalho recebidos por um residente de um país em outro só pode ser tributado pelo país de residência.

Num outro ponto, o decreto define o procedimento a seguir pelos contribuintes para evitar a dupla tributação, como solicitar crédito fiscal no país de residência para impostos pagos no outro país. O decreto também estabelece os mecanismos de resolução de conflitos entre as autoridades fiscais dos dois países, caso haja diferenças na interpretação ou aplicação do tratado.

Em caso de descumprimento de um tratado internacional, poderá haver consequências negativas para o Brasil, como danos à sua reputação por ser visto como um país que não cumpre os compromissos internacionais, dificultando a negociação de novos tratados. Outra possibilidade é Portugal tomar medidas retaliatórias contra o Brasil, como aumentar tarifas alfandegárias ou impor restrições comerciais. A disputa pode acabar perante uma Câmara de Arbitragem ou o Tribunal Internacional de Justiça.

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