Os israelenses querem a guerra?

Rami Davidian salvou 750 vidas em 7 de outubro, mas continua se culpando por não resgatar mais

A festa Nova, que aconteceu perto do Kibutz Reim, a cerca de 5,3 km da fronteira com Gaza, deveria celebrar a vida, mas se transformou em uma armadilha mortal para os 3.000 participantes da festa. Há exactamente um ano, mais de 300 israelitas foram mortos ali. Centenas de outras pessoas ficaram feridas ou traumatizadas, mas muitas sobreviveram graças à desenvoltura de um homem, Rami Davidian.

Em 7 de outubro de 2023, Rami Davidian, 59 anos, pai de quatro filhos e natural de Moshav Patish, que fica perto da fronteira com Gaza, acordou cedo para ir à sinagoga e fazer suas orações no feriado anual de Simchat. Torá. Mas ele mal sabia que seria um dia como nenhum outro.

“Às 6h30 (locais) as sirenes começaram a tocar,” disse ele referindo-se aos alarmes que soam sempre que há uma barragem de foguetes vindos de Gaza, permitindo que os residentes procurem refúgio em abrigos antiaéreos.

“Ao contrário de outras vezes, eles não paravam e isso era incomum. Aí um amigo meu ligou e me pediu para ir ajudar a resgatar o filho dele, que estava preso na festa da Nova. Eu disse à minha esposa que voltaria em cinco minutos, peguei meu carro e comecei a seguir naquela direção”, ele lembra.

Naquele fatídico fim de semana, cerca de 3 mil pessoas se reuniram na festa Nova, principalmente jovens, que vieram ouvir música, dançar e conviver.

No entanto, a infiltração de milhares de militantes do Hamas interrompeu estes planos. Mais de 300 foliões foram mortos a tiros no local. Mais de 250 pessoas, inclusive do evento, foram feitas reféns para Gaza. Muitos outros ficaram feridos ou traumatizados com o que viram e procuraram desesperadamente uma saída.

O problema era que as saídas eram escassas. O Hamas, que planeava o ataque há anos, bloqueou todas as estradas principais, saídas e entradas. Qualquer pessoa que tentasse fugir pelas rotas habituais foi baleada. As chances de escapar sem ser notado eram mínimas.

Mas Davidian, que se dirigia ao local, ainda não sabia nada sobre a situação, embora tenha começado a notar anomalias.

“No caminho notei uma bicicleta e ao lado dela uma mão decepada. A uns 800 metros dali vi um tender com dois mortos dentro. Meu pensamento inicial foi que havia ocorrido um acidente. Olhei em volta e vi pessoas uniformizadas, ouvi tiros e o pensamento que me passou pela cabeça foi que as IDF estavam realizando um exercício. Resolvi então deixar aqueles mortos no tender e segui em direção à fazenda onde se acreditava que o filho do meu amigo estava escondido.”

No caminho, ligou o rádio e a imagem ficou nítida. Foi então que soube que Israel tinha sido invadido por multidões de militantes do Hamas. Ele percebeu que centenas de israelenses estavam mortos ou feridos e descobriu que as FDI mal conseguiam lidar com a ameaça terrorista.

Davidian sabia que precisava agir.

“No caminho para lá, fui parado por pessoas que imploravam por ajuda. Agi no piloto automático”, ele diz. “Naquela época eu não tinha nenhum medo. Tudo que eu queria era tirar o maior número possível de pessoas.”

Natural da região e morador ali a vida inteira, Davidian diz conhecer todos os caminhos, rotas de fuga e terreno. Ele sabia ler um mapa, estava bem ciente de onde os militantes do Hamas tinham estabelecido os seus bloqueios de estrada e, o mais importante, sabia como evitá-los sem ser notado.

Durante 48 horas, Davidian andou de um lado para o outro carregando pessoas em seu carro e levando-as para um local seguro. Seu número de telefone foi distribuído pelos sobreviventes da Nova; seu telefone não parava de tocar ou receber mensagens. Essas mensagens continham pedidos de ajuda e geolocalizações.

“O acontecimento mais marcante para mim foi o encontro com Amit, uma jovem que foi se divertir na Nova”, disse Davidiano.

Amit enviou a Davidian sua geolocalização, mas encontrá-la em um campo aberto foi um desafio, então eles concordaram que Davidian iria buzinar e se suas buzinas soassem mais altas, ela diria a ele “quente” como uma indicação de que ele estava se aproximando. Mas quando ele a alcançou, ela não estava mais sozinha.

“Amit estava cercado por cinco terroristas. Olhei para ela e entendi que ela perdeu a fé para sair de lá com vida.”

Mesmo assim, ele não perdeu as esperanças. Falando-lhes em árabe – graças aos seus 17 anos de interação com trabalhadores palestinos – Davidian fez-lhes acreditar que ele era um dos militantes. Amit foi libertado e levado para um porto seguro.

Ela não foi a única. Naquele dia fatídico, Davidian resgatou cerca de 750 pessoas, principalmente jovens. Ele também ajudou as forças de segurança, separando os corpos e afastando-os das estradas para permitir a passagem livre dos tanques israelenses.

Por suas ações, Davidian foi reconhecido como herói nacional. Na véspera do 76º aniversário da independência de Israel, acendeu uma tocha na cerimónia anual em Jerusalém, um sinal do mais elevado respeito pelos seus feitos.

Mas Davidian não se sente um herói.

“Não passa um único dia sem que eu sinta dores de consciência. Estou pensando em todas as oportunidades perdidas, em todos aqueles que alcancei tarde demais, em todos aqueles que deixei para trás. Já vi cenas terríveis: corpos pendurados nas árvores, homens e mulheres baleados na cabeça e sempre sinto que poderia ter salvado mais vidas.”

Consultando regularmente um psicólogo e sendo tratado com antidepressivos, Davidian percebe que talvez nunca mais consiga voltar a ser o que era antes. Nem poderá esquecer as imagens que viu naquela que deveria ser uma festa que celebrava a juventude, a liberdade e a vida.

Em 7 de outubro de 2023, cerca de 3.000 militantes do Hamas apoiados por civis entraram nas comunidades do sul de Israel. Assassinaram mais de 1.200 israelenses e centenas de cidadãos estrangeiros. Milhares de outras pessoas ficaram feridas, enquanto 252 pessoas foram levadas como reféns para Gaza, 101 das quais ainda estão em cativeiro. Acredita-se que pelo menos trinta deles estejam mortos.

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