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Os discursos anti-imigração espalhados pela Europa e liderados pelas vozes de líderes de partidos de extrema-direita, que compreendem o poder das redes sociais mais do que ninguém, vendem a ideia de que “imigrantes estão roubando empregos de emprego para os nacionais”.

Ao mesmo tempo que as redes sociais estão repletas de vídeos virais que alimentam estas narrativas, propagam discursos de ódio, notícias falsas e suscitam sentimentos xenófobos anti-imigração, um fenómeno crescente passa despercebido, tanto por quem está revoltado como por quem defende a imigração: a digitalização do aspectos mais simples de nossa vida diária.

Na semana passada estive em Helsínquia, capital da Finlândia, para participar numa conferência académica que reuniu investigadores de diversos países e abordou a transformação cultural e social caracterizada pela saturação digital. Hoje não venho aqui falar de morte, mas sim do estresse psicológico e do cansaço físico e mental de não poder mais andar sem um smartphone conectado à internet, com memória suficiente e serviço de armazenamento em nuvem.

Desde o momento em que saí de casa, me deparei com uma experiência de profundo estresse por ter que ter sempre um celular à mão. Durante minha jornada, percebi que praticamente toda a minha experiência envolveu leitura de QR CODE, pagamentos online, mensagens de e-mail para confirmação e recebimento de códigos de transações. Desde o check-in na companhia aérea e no hotel até a compra de passagem de transporte público.

Durante mais de cinco dias, praticamente não fui atendido por humanos nos aspectos mais simples, como pedir um café, pois sempre havia máquinas por toda parte. Sem falar que a Finlândia se orgulha de ser “cash free”, ou seja, não existe papel-moeda, nota ou bufo. Pelo menos na minha experiência, não consegui fazer um único pagamento “em dinheiro”.

Não precisamos de ir à Finlândia rica e tecnológica para perceber que aqueles que roubam empregos aos nacionais não são imigrantes, mas máquinas. Em vários supermercados de São Paulo já existem caixas eletrônicos e uma oferta limitada de caixas humanos. Assim como em lojas de departamentos como a Zara, onde você quase não vê mais funcionários e pode ir aos caixas eletrônicos e pagar suas compras usando uma espécie de tecnologia de identificação por radiofrequência (RFID). Espero que a máquina leia todos os itens, ok! E olha só, porque o constrangimento quando o alarme de segurança dispara ao sair de uma loja ou supermercado é certo, mesmo que tudo esteja pago e em ordem.

A sensação que tive nos últimos dias é que foi dado à tecnologia um tipo de poder e controle que nos leva a uma saturação tecnológica onde não podemos mais descansar e aproveitar uma viagem. É preciso estar sempre alerta, com bateria e dados suficientes para tudo. Não há nada mais desesperador do que o aviso de que você só tem 5% de bateria ou que seu pacote de dados atingiu o limite.

Se aquilo que a União Europeia chama de transformação digital for lido como desenvolvimento, só posso dizer que chegaremos a uma fase em que seremos cada vez mais reféns de um modelo de sociedade que nos leva à dependência e à vigilância, de tal forma que não podemos terá força para contestar. Aceitamos passivamente a entrega dos nossos dados, a utilização das nossas funcionalidades de reconhecimento facial em hotéis, lojas, aeroportos, deixamos as nossas impressões digitais em todo o lado e assim por diante.

Quando vejo a quantidade de funções que estão sendo substituídas por máquinas inteligentes, penso que o discurso anti-imigração, além de falacioso e desonesto, incorpora uma narrativa que culpa os imigrantes pela escassez de vagas de emprego. Isso, além dos discursos de ódio que migraram das redes sociais e hoje estão nas ruas, no metrô, no ônibus, na padaria do bairro e no dia a dia.

Mas os dados mostram que a mão-de-obra imigrante está concentrada em áreas como restauração, construção, limpeza, atendimento ao cliente, cuidados, entrega e serviços de reparação. Portanto, setores da economia que fazem a roda girar. Estes trabalhadores recebem pouco mais do que o salário mínimo nacional e contribuem mais de sete vezes para a Segurança Social do que efectivamente recebem em subsídios, como aponta o relatório do Observatório das Migrações, em 2023.

E a questão que não quer ser ignorada: se os imigrantes roubam vagas de emprego (em sectores em que muitos nacionais se recusam a trabalhar, o que torna a mão-de-obra imigrante fundamental para o funcionamento do país), máquinas e robôs que, num futuro próximo, futuro, substituirá os humanos em diversas funções, também pagará impostos? Você vai fazer deduções à Previdência Social?

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