O Brasil está a perder a vantagem na batalha para salvar o povo indígena Yanomami, que está a morrer com gripe, malária e desnutrição trazidas para sua vasta e isolada reserva na floresta amazónica por garimpeiros ilegais que estão a reaparecer.
Um ano depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter declarado a existência de uma crise humanitária entre os Yanomami e ter prometido tolerância zero em relação ao garimpo ilegal, as autoridades ambientais alertam que o Brasil está a pôr em risco o progresso duramente conquistado no ano passado, quando cerca de 80% dos cerca de 20.000 garimpeiros foram expulsos da reserva do tamanho de Portugal.Enquanto as forças armadas brasileiras diminuíram o apoio à repressão do governo, os garimpeiros à procura de ouro voltaram, e estarão a fazer novas incursões na terra dos Yanomami.
De acordo com o Ministério da Saúde do Brasil, 308 Yanomami morreram de doenças, desnutrição e violência no ano passado, sendo que 50% das mortes foram de crianças menores de quatro anos. As mortes por malária, introduzida pelos garimpeiros, duplicaram em 2023 em relação a 2022.
A presença de garimpeiros armados também terá assustado os Yanomami, que deixaram de plantar mandioca, um dos seus alimentos básicos juntamente com os peixes do rio, e reduziu a caça.
Durante uma visita da Reuters ao território Yanomami em Dezembro e Janeiro, agentes do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ministério do Ambiente) disseram que agora estão a travar sozinhos a batalha contra os garimpeiros, uma vez que o crucial apoio militar foi reduzido.Os militares brasileiros reduziram as operações em meados de 2023 e pararam de transportar combustível para os helicópteros do Ibama para bases avançadas dentro da reserva, limitando seu alcance em todo o gigantesco território. A Força Aérea não impôs uma zona de exclusão aérea, apesar de ter sido ordenada a fazê-lo por Lula em Abril, e, enquanto isso, a Marinha não está a fazer o suficiente para bloquear os rios que são o principal acesso dos garimpeiros para máquinas e mantimentos, disseram três funcionários do Ibama.
O Exército, a Marinha e a Força Aérea do Brasil não responderam aos pedidos de comentário.
A ineficácia da zona de exclusão aérea tem levado a um número crescente de pilotos não registados a voar com garimpeiros para a terra dos Yanomami, e depois atravessar a fronteira para a segurança na Venezuela quando interceptados por helicópteros do Ibama, disse o piloto do Ibama Carlos Alberto Hoffmann. O governo da Venezuela não respondeu a um pedido de comentário.
“O Estado não está hoje efectivamente presente no território Yanomami, e estamos a assistir ao regresso do garimpo ilegal”, disse Hugo Loss, chefe de operações de fiscalização do Ibama. Sem mais apoio militar, acrescentou, “vamos perder todo o trabalho deste ano”.Um fotógrafo da Reuters passou uma semana em terras yanomami, integrando-se numa unidade de elite do Ibama, que descia de helicóptero nos acampamentos de garimpeiros para destruir bombas de dragagem, aviões e outros equipamentos de mineração. Os mineiros fugiam ao som dos helicópteros que se aproximavam, e os oficiais armados do Ibama perseguiam os homens na selva para os prender.
O fotógrafo também visitou o posto médico de Auaris, perto da fronteira venezuelana, onde crianças Yanomami nuas, com as barrigas inchadas pela desnutrição, eram tratadas para recuperar a saúde.
“A maioria dos garimpeiros tinha ido embora, mas eles estão a voltar”, disse à Reuters o xamã Yanomami Davi Kopenawa, cujo activismo ajudou a criar o território Yanomami protegido pelo governo em 1992. “A mineração ilegal é muito ruim para nós”.
Além do garimpo ilegal, instala-se o tráfico de drogas Além de envenenar os rios e disseminar doenças, o regresso dos garimpeiros impulsiona os grupos criminosos que traficam drogas e madeira através da Amazónia minando a promessa de Lula de restaurar a lei e a ordem na região e acabar com a desflorestação até 2030.
Os garimpeiros presos e algemados pelas forças especiais do Ibama argumentam que são pobres e precisavam da renda do garimpo para alimentar suas famílias. A maioria foi retirada da reserva e libertada, e a polícia disse que agora está a procurar os seus financiadores.A destruição da floresta tropical é evidente nos buracos com cerca de cinco metros de profundidade nos locais de extracção mineira sem árvores, juntamente com dezenas de lagoas onde as lamas dragadas eram bombeadas para os rios, transformando as águas cristalinas num laranja vivo devido à lama.
“Isto é uma guerra porque as pessoas estão a morrer. Centenas de Yanomami morreram na crise humanitária, e eles também são brasileiros”, denuncia Felipe Finger, chefe da unidade de forças especiais do Ibama.
De acordo com o censo de 2022, há 30 mil pessoas do povo Yanomami e Ye “kwana na reserva, incluindo grupos com pouco ou nenhum contacto com pessoas de fora.O chefe do Ibama, Rodrigo Agostinho, garantiu à Reuters que o órgão ambiental não vai desistir de combater o garimpo ilegal na terra Yanomami, apesar de todos os obstáculos e desafios. “Estamos cientes das adversidades existentes e reconhecemos a presença persistente de garimpeiros ilegais na área”, disse.
Lula realizou uma reunião ministerial em 22 de Dezembro, que incluiu comandantes das forças armadas, onde enfatizou que a remoção de garimpeiros ilegais era uma prioridade do governo, de acordo com a chefe da agência de protecção indígena Funai, Joenia Wapichana.
Já este mês, o governo Lula prometeu 1,2 bilhão de reais [mais de 200 milhões de euros] para a segurança e assistência aos Yanomami, e o director-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, disse que o governo brasileiro deve se empenhar ao máximo na defesa dos indígenas. Na quarta-feira, a Polícia Federal anunciou o início de uma nova operação contra o garimpo ilegal no território Yanomami e disse em comunicado que contará com o apoio das Forças Armadas.
Sydney Possuelo, o maior especialista brasileiro em tribos indígenas isoladas, ajudou a criar a reserva Yanomami e a expulsar cerca de 40 mil garimpeiros em 1992, quando dirigia a Funai. O governo precisa fazer mais, constatou numa entrevista. “O Ibama e a polícia simplesmente não têm pessoal suficiente para acabar com os garimpeiros. O Governo só está a dizer isso para mostrar que está a fazer alguma coisa.
“A Força Aérea não está a fazer cumprir a zona de exclusão aérea. O Exército e a Marinha não estão a fazer nada.”