O que é interessante no mundo do vinho português – afinal pequeno – é que do nada ainda surgem pequenas histórias que nem são tão antigas. Há anos que conhecemos os vinhos da Quinta da Lagoalva (e em particular o seu Syrah) e conhecemos a ligação da família Holstein Campilho à agricultura desde o século XIX, mas não sabíamos que a primeira vinha Syrah em Portugal foi plantada, há 40 anos (1984), em terras de Lagoalvaapesar do primeiro varietal do Syrah da quinta só apareceu em 1997. Curiosamente, o primeiro e muito popular Incógnito (Cortes de Cima) nasceu um ano depois, mas de uma vinha de 1991.
E por que o complicado A francesa entrou em solo Lagoalva? Segundo Pedro Pinhão, diretor da equipa de enologia da casa, isso aconteceu porque um francês que passou por Lagoalva na década de 1980 e atuava como enólogo na venda de vinho a granel – um certo Michel – falou no personagem diferenciador da casta, sem este entusiasmante Manuel Campilho, o agrónomo que dedicou toda a sua vida à propriedade do Tejo. Mas, em viagem aos Estados Unidos, para evento organizado pela revista Espectador de vinhos, Em 1982, Manuel Campilho ouviu que o futuro do vinho estava nas castas Syrah e Cabernet Sauvignon, tese que, como hoje sabemos, foi manifestamente precipitada. Mas, de qualquer forma, como é importante acompanhar a moda e o vinho tem um papel importante neste campeonato, o empresário mandou plantar a vinha Syrah.
Quanto à casta Alfrocheiro (com solário no Dão), surge nas vinhas da propriedade no dia 25 de Abril, e por recomendação dos primos Soares Franco, da José Maria da Fonseca, uma ideia que poderá fazer alguém coçar o cabeça porque se trata de uma casta que dá tanto trabalho na vinha (é primeira mulher) que era secundária no Dão e no Alentejo. E, ao que parece, numa recente prova de vinhos Prêmio da Lagoalva, em Lisboa, foi o vinho que mais nos encantou. Alguém imagina que o Tejo poderá dar origem a um grande Alfrocheiro? Elegante? Contemporâneo e desafiador? Bem, acredite em mim, pode. Com 30 euros todas as dúvidas são tiradas.
Já agora, permitam-nos desviar do vinho para o azeite – é rápido –, só porque nos ajuda a explicar o ecossistema Lagoalva. Aqui estão plantados seis hectares de olival das variedades italianas Frantoio e Moraiolo, com 200 anos… É aqui que o azeite merece mais cuidado (colher a azeitona mais cedo) e outra estratégia de valorização – porque, caramba, é tem origem num olival bicentenário de variedades italianas – merece. Mas, seja através das castas acima referidas (que inclui também o Tannat), seja através da manutenção do olival bicentenário (exigido pela mãe de Manuel Campilho), Lagoalva revela uma cultura organizacional que tem sido a marca de outros produtores do Tejo.
Experimentação e inovação nas terras mais produtivas do país; oferecer vinhos de entrada em volume e preços competitivos para diferentes canais; aposta na casta branca que começa a ser imagem de marca da região (Fernão Pires) e, por fim, no trabalho de filigrana nas linhas Prêmiocomo é o caso deste novo quinteto de vinhos Grande Reserva da Lagoalva com carácter distintivo na região e que apresentaremos agoranão sem antes registar mais uma pequena história, que não será apenas sobre vinhas, solos e taninos.
Há cerca de duas décadas iniciámos, numa taberna transmontana, este ritual inusitado de comer cebolas novas com pedras de sal e vinagre. A certa altura, um agricultor idoso que comia cebola crua como quem come maçã (há até uma irmandade dedicada a este assunto) perguntou-nos se sabíamos quem era o maior agricultor de Portugal. Com a cebola e o vinagre espirrando na boca, nos olhos e narizatravés do óxido sulfúrico, encolhemos os ombros.
O nosso interlocutor respondeu: “O maior agricultor de Portugal é o engenheiro Manuel Campilho, que vem de famílias aqui de Trás-os-Montes. Se for ao alto de Vinhais e virar a cabeça para sul, tudo o que vê, até ao Alentejo, é da família, isso é grande. Todos. Mas há uma coisa: não são como aqueles latifundiários do Alentejo que nunca lá puseram os pés. Eles gostam muito da terra e estão sempre fazendo coisas novas.” Ele faz uma pausa, seguido pela primeira pergunta. “Você não acredita no que estou dizendo?” Eu acredito, eu acredito. Segunda pausa e nova pergunta: “Quer outra cebola?” Não, não, obrigado.
Estes dias, em conversa com Manuel Campilho (70 anos) e a propósito da tirada do velho agricultor (os transmontanos são sempre exagerados com a sua), ouvimos isto: “Sim, a terra é uma paixão, sim, Lagoalva é o amor da minha vida e, Sim, continuo a ir a Trás-os-Montes de 15 em 15 dias para acompanhar os trabalhos: agora estamos plantando mais área de castanheiro”.
Manuel Campilho não gosta de falar dos hectares que controla entre Vinhais e Montargil. Ele prefere dizer: “a única cultura que não cultivamos é o arroz”. Ele é um especialista de renome mundial em irrigação (foi consultor num projeto de irrigação de 40.000 hectares na Hungria) e está permanentemente obcecado pela gestão da água para a produção de alimentos e muito mais (“daqui por 30 anos poderemos precisar regar as florestas, escreva o que estou dizendo). Quinta da Lagoalva, os vinhos Lagoalva, são o resultado de quem pensa a agricultura no curto, médio e longo prazo. Infelizmente, essas coisas nunca aparecem nos rótulos dos frascos. Mas de qualquer forma, vamos aos vinhos.
Nome Quinta da Lagoalva Grande Reserva Fernão Pires Branco 2022
Produtor Quinta da Lagoalva
Variedades Fernão Pires
Região chá
Grau alcoólico 12,73%
Preço (euros) 22,90
Pontuação 93
Autor Edgardo Pacheco
Resultado dos testes Vinho que pretende mostrar o potencial de envelhecimento da casta, revela o carácter floral da casta, alguns citrinos e trabalho de fermentação/envelhecimento em barricas de 500 litros, com a devida bâtonnage (uma vez por semana durante duas semanas). Branco com bastante volume na boca, gordo, destacando-se pelas notas cítricas já sentidas no nariz. Comparativamente à colheita anterior, este é um vinho com mais densidade — cortesia do calor de 2022 — e alguma presença de madeira. É claramente um homem branco que precisa de comida.
Nome Quinta da Lagoalva Grande Reserva Syrah Tinto 2020
Produtor Quinta da Lagoalva
Variedades Syrah
Região chá
Grau alcoólico 13%
Preço (euros) 29,90
Pontuação 94
Autor Edgardo Pacheco
Resultado dos testes De todos os vinhos recentemente apresentados pelo produtor, este é talvez o mais contido no nariz, que é até apreciado quando comparado com outros Syrahs exuberantes que por vezes provamos. Ainda assim, é curioso sentir leves notas de borracha, algo que faz parte de grandes exemplares da região de Côtes du Rhône. Sério na boca, sentimos sabores de frutas maduras, azeitonas pretas e mentol.
Nome Quinta da Lagoalva Grande Reserva Alfrocheiro Tinto 2021
Produtor Quinta da Lagoalva
Variedades Alfrocheiro
Região chá
Grau alcoólico 12,54%
Preço (euros) 29,90
Pontuação 95
Autor Edgardo Pacheco
Resultado dos testes Foi um almoço surpresa em que o produtor apresentou diversas novidades, provando que o Alfrocheiro, quando bem tratado, produz vinhos distintos e precisos para quem quer vinhos tintos que não sejam pesadelos alcoólicos à mesa. Frutos vermelhos, aromas florestais, cogumelos e pinheiros são os aromas que a memória realça. Na boca apresenta um certo carácter vegetal, groselhas e especiarias, tudo bem protegido por uma acidez vibrante. Um achado para quem está cansado de “copiar” e “colar” vermelhos.
Nome Quinta da Lagoalva Dona Isabel Juliana Grande Reserva Branco 2022
Produtor Quinta da Lagoalva
Variedades Alvarinho, Viosinho e Fernão Pires
Região chá
Grau alcoólico 12%
Preço (euros) 35,90
Pontuação 96
Autor Edgardo Pacheco
Resultado dos testes É um daqueles casos em que a palavra complexidade faz sentido, em parte devido à triologia de castas em questão, com destaque para as duas primeiras (40% cada). Notas de laranja e frutas tropicais diversas podem ser sentidas, mas todas de forma nada impressionante. Agora, quando o vinho chega à boca, a conversa é outra. Muito fino à entrada, fresco e longo (que bela acidez). Por ser elegante e intrigante, queremos sempre levar o copo à boca para descobrir novas sensações. Um grande branco em Portugal e em qualquer parte do mundo.
Nome Quinta da Lagoalva Dona Isabel Juliana Grande Reserva Tinto 2021
Produtor Quinta da Lagoalva
Variedades Alfrocheiro, Touriga Franca e Touriga Nacional
Região chá
Grau alcoólico 13%
Preço (euros) 35,90
Pontuação 94
Autor Edgardo Pacheco
Resultado dos testes Claramente um vinho que, num mundo ideal, não deveria ser bebido agora. Não se desencante com a fruta, algumas notas de gerânio e componentes vegetais ou massa fermentada. Ou que desilude com os frutos pretos, os taninos poderosos e as notas de barrica. Mas, a rigor, é um vinho que dará mais prazer daqui a cinco anos. Este vinho é o único sortudo que também tem direito a ser engarrafado em garrafas de 1,5 litros e 9 litros. É bom sim, senhor, mas, aliás, por que não fazer o mesmo com a Dona Juliana branca? Isso é o que foi valioso. Isto é o que faria a diferença num mundo que começa a comprar garrafas de grande formato, até vinhos brancos.