Duas mulheres negras ao piano, uma inclinada sobre o ombro da outra e ajudando a instruí-la, enquanto a mulher mais jovem parece desconfortável.  Eles estão no palco, tendo como fundo vários tons de azul escuro.

E o prêmio Tony de Melhor Reforma de um Teatro da Broadway vai para… Tom Scutt, que não apenas redesenhou o August Wilson Theatre – agora apelidado de Kit Kat Club – mas também o cenário e os figurinos do novo revival de “Cabaret” que estreou lá no domingo. depois de uma corrida no West End.

Agora você entra no August Wilson Theatre não pelas portas da frente, mas por um beco lateral, depois sobe um lance de escadas que leva a um arranjo íntimo de mesas em cubículos. Sentado perto do palco, que agora é redondo, eu não conseguia visualizar em minha mente como era esse teatro. No intervalo, fiz um tour pelo local – só então pude perceber que a varanda está em sua posição original e que uma segunda varanda espelhada foi construída sobre o que costumava ser o palco.

A direção de Rebecca Frecknall faz uso imediato e espetacular do palco redondo de Scutt, que rapidamente assume a forma de um bolo de casamento em camadas. Seus múltiplos níveis não apenas giram, mas o centro se abre para oferecer entradas e saídas emocionantes para o Mestre de Cerimônias (Eddie Redmayne), Sally Bowles (Gayle Rankin) e outros habitantes do Kit Kat Club.

À primeira vista, “Cabaret” de Frecknall parece bem diferente da versão de Sam Mendes, que se tornou um item recorrente no Studio 54 ao longo dos anos. Além do palco e do teatro redesenhados, há os figurinos de Scutt, que fogem da cafona envelhecida do espetáculo de Mendes.

Os trajes de Scutt para o mestre de cerimônias e os dançarinos do Kit Kat Club são tão coloridos e chamativos que parece que todo mundo escapou da cena da boneca Olympia em “The Tales of Hoffman”. Sally Bowles reclama que o clube não está pagando o suficiente e, pelo aparecimento do refrão, todo o dinheiro vai para fantasias. Tanto para o Kit Kat ser uma boate de terceira categoria.

Já existiu algum musical que, ao longo dos anos, tenha evoluído mais do que “Cabaret”? “Candide” e “Merrily We Roll Along” nem chegam perto. O conteúdo gay do show mal foi sugerido na produção original de 1966 na Broadway (livro de Joe Masteroff, trilha sonora de John Kander e Fred Ebb).

O roteiro de Jay Presson Allen para o filme de 1972 deixou explícito que o namorado de Sally Bowles (Michael York) é gay ou bissexual; A direção de Bob Fosse, por outro lado, teve o cuidado de manter qualquer tipo de atividade homem-a-homem fora da tela. Mendes trouxe essa orientação sexual para o palco com alguns beijos entre os rapazes.

E agora na versão de Frecknall, o Kit Kat Club é essencialmente um bar gay onde vale tudo. Não é uma ideia nova. Vinte anos atrás, assisti a uma produção universitária na Universidade Loyola, em Los Angeles, que apresentava uma versão semelhante do material sobre pessoas do mesmo sexo.

Não funcionou em Loyola e não funciona agora na Broadway. Era uma vez, os bares gays eram um lugar de refúgio. Os habitantes do Kit Kat Club em “Cabaret” não se refugiam do mundo exterior e da sua homofobia. Eles estão alheios ao mundo exterior e ao seu nazismo furioso.

Frecknell defende o conceito de que este antro de iniquidade é de alguma forma responsável pela ascensão do nazismo. Quando o mestre de cerimônias de Redmayne se veste com uma fantasia de Halloween de Stormtrooper, quando ele (e não um jovem inexperiente) canta o hino nazista “Tomorrow Belongs to Me”, quando o subtexto gay do musical é colocado na frente e no centro, dá a impressão de que alguém (o nazistas?) precisa entrar para limpar essa grande bagunça. É também o primeiro “Cabaret” que vejo onde Sally Bowles realmente cura o namorado da homossexualidade.

Igualmente chance, Frecknell escalou Sally como o alter ego do mestre de cerimônias, ou vice-versa. Sally e o Mestre de Cerimônias muitas vezes se vestem da mesma forma, arrancam perucas e usam seus solidéus – e, o mais significativo, Redmayne e Rankin foram orientados a serem abrasivos ao extremo. Rankin é capaz de fermentar um pouco dessa aspereza porque Sally é uma personagem real. Ela nos convence de que está simplesmente fora de controle, sofrendo de um grave transtorno bipolar. Como Redmayne não interpreta um personagem, mas sim um símbolo de decadência, ele apresenta apenas uma confusão de maneirismos.

Ato Blankson-Wood interpreta o namorado de Sally, Clifford, o cara gay legal que deveria emergir como a voz da razão. Clifford é Christopher Isherwood, que escreveu o material original do programa, “The Berlin Stories”. Clifford é a bússola moral do programa. Blankson-Wood não precisa replicar os excessos de Rankin ou Redmayne, mas lá está ele no final de “Cabaret” chorando, gritando e destruindo o que sobrou do palco que seus colegas já atomizaram.

Perto do final de “Cabaret”, Rankin canta a música título e, como grande parte desta produção, ela apenas reproduz o subtexto – que a vida é tudo menos bela, apesar do que o Mestre de Cerimônias tem nos dito. Na verdade, a vida pode ser um inferno. Ela está um pouco atrasada para perceber isso. Redmayne é o Diabo, completo com cabelos ruivos, desde o momento em que pisa no palco.

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